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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Grécia está sangrando

Diz o primeiro ministro grego à chanceler alemã: o povo não pode mais. É o sangue dos que desistem, dos  que reviram caixotes do lixo, dos que pedem esmola, dos que enfrentam a polícia, dos que vão presos, dos que palmilham estradas, dos que continuam mesmo não acreditando... É o sangue de quase todos e para quê? A descrença parece total. A imagem da senhora Merkel chega a ser patética.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os meninos de São Judas, o filme


O filme fala dos meninos do reformatório de São Judas, na Irlanda, em 1939. Revela uma realidade que, apesar da brutalidade de algumas práticas, como o abuso sexual e a tortura física, se prolongou, por muitas décadas, em instituições similares – e é por isso que aquela violência parece quase não nos surpreender.
Mas há sempre um limite. Tínhamos assistido à tortura dos dois jovens, debruçados sobre um banco comprido de madeira, rente ao chão, com o resto dos companheiros a assistirem – tal como se torturavam, há séculos atrás, os escravos, presos ao tronco, em espectáculo público, para que todos vissem o que lhes podia também acontecer se ousassem desobedecer – mas não estávamos preparados para a cena do assassínio de Liam, a quem o padre John mata à chicotada e  pontapé.
O padre mata por motivos impossíveis de compreender. Quer saber por que apareceu no reformatório um professor laico, William Franklin. "Será comunista"?
O professor trata os jovens como pessoas, pelo nome próprio, promete responder às suas perguntas e levá-los a pensar para lá de si próprios e dos muros do colégio. Na noite de Natal, oferece a todos uma prenda, um livro, que contém algo de especial para cada um – poesia, literatura, teatro, vida, sentimentos, comprometimento… Os miúdos decoram frases, versos, fazem coros, récitas, teatros…
Algo de novo aconteceu e o padre John não aguenta. Estes são fantasmas que se prolongam por décadas. De algum modo, todos somos testemunhas, eu própria recordo uma adolescência e um início da idade adulta em que o comunismo era uma palavra maldita, como não seriam as pessoas que tinham essa ideologia e se empenhavam em transmiti-la? Excomungadas, obviamente. Ainda, hoje, não percebo nada. Mas, depois de sabermos o que se passou, nessa Europa de Leste, quando se derruba o muro de Berlim, vemos que nunca há o branco e o preto, mas nada justificava a paranoia e a maldade do padre John.
Franklin luta com todas as suas forças até os abusadores saírem de cena. (Sabe -se, no final do filme, que o padre Mac, o dos abusos sexuais, vai para os Estados Unidos, é-lhe dada uma paróquia e ainda vive; o padre John, o torturador implacável, é mandado para África e morre em 1969).  Decide, então, abandonar o colégio, mas não resiste à despedida, particularmente, à atitude de um dos jovens a recitar-lhe poesias do livro que lhe dera. Franklin quebra. Não pode deixá-los já. Fica por mais cinco anos, alistando-se depois nas tropas aliadas. Morre, na frente de batalha, em 1944.
Para a sua luta é o fim, mas quantos começos não tinha já deixado atrás, junto dos jovens do colégio São Judas! Quantos começos não deixa, ainda, hoje, naqueles que vêem o filme e percebem a força de uma consciência! Nem tudo são entardeceres, mesmo nestes sombrios colégios. Viva o professor Franklin! 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Imagens de Maomé


Repetem-se as manifestações contra as imagens publicadas numa revista francesa com o profeta Maomé, na sequência do que tinha acontecido com filme americano “A inocência dos muçulmanos”. Para nós, parecem despropositas, um exagero, tiques fundamentalistas... No entanto, há sempre matizes.
Obviamente que o argumento mais claro e mais forte é o de que a liberdade de expressão não pode ser posta em causa, não se pode deixar de dizer isto ou aquilo, por causa da reação dos muçulmanos, mas, também não se pode atentar de ânimo leve contra as convicções das pessoas. A religião é um direito humano, cada um pode acreditar no que entender, desde que conviva pacificamente com os demais. É isto que também está em causa. Portanto, sem abdicar dessa liberdade, não se devem criar provocações desnecessárias.  

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Santiago Carrilho

Morreu um velho comunista espanhol, Santiago Carrilho, com quase um século de vida, 97 anos. Carrilho foi um  revolucionário, um combatente anti-franquista, um exilado político por mais de 40 anos, mas é recordado sobretudo pelo seu papel na transição democrática, pela sua capacidade de dialogar, de acordar, de fazer consensos...   Posição que lhe valeu-lhe a expulsão do partido e outros dissabores,  ainda assim, mantém as ideias, o sentido de justiça, a crença de que outro modo  de organizar as sociedades é possível.

sábado, 15 de setembro de 2012

Eduardo Lourenço, um sábio

Eduardo Lourenço é um sábio. Sábio, mesmo.  Não porque leu muito, que leu; não porque escreveu muito, que de facto escreveu; mas porque pensa muito e  toca o essencial com um desprendimento que desconcerta. Outro dia, não sei já em que programa televisivo, dizia a uma jovem que em vez de ler muitos autores, se concentrasse num autor, como se lhe dissesse que a dispersão não ajuda ao pensar, ao pensar próprio, única coisa que ao limite interessa .

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Encontro em Goreia



Goreia, ilha frente a Dakar, funcionou como entreposto de escravos, durante mais de três séculos. Daí, entre quinze a vinte milhões de escravos devem ter embarcado em barcos negreiros, com destino à América, ao Brasil ou às ilhas do Caribe. Destes, mais de 6 milhões morreram na travessia, tal as condições miseráveis em que eram transportados, nos porões, como gado.
Partiam, deixando, tudo, atrás. Até o próprio nome, eram já números quando embarcavam e números quando chegavam aos cafezais, aos campos de algodão ou às plantações de açúcar. Aí, passavam a usar nomes americanos, se iam para a América, portugueses, se iam para o Brasil, ou espanhóis, se iam para o Caribe.
Ao serem roubados do nome africano, muitos descendentes destes escravos negros não sabem de onde vieram, nem como procurar as suas raízes, mesmo que o queiram fazer.
No entanto, há uma identidade africana, profunda, que permanece, mesmo que silenciosa. Uma noção de pertença que sobrevive a muito, a quase tudo, a séculos de exploração e de afastamento.
“Estou aqui pela primeira vez, mas é como se estivesse cá estado desde sempre, sou de África”, diz a jovem americana, integrante de um grupo de música afro jazz que junta músicos de diferentes origens – americanos, africanos, europeus… - para, juntos, reinventarem, uma alma, um espírito, que não exclua raças nem culturas.
“Onde estarão as minhas raízes? Talvez, estejam nalgum destes países da costa ocidental africana. Talvez, a minha tetra avó ou, antes dela, outro antepassado meu, tenha chorado nesse cais ao vir-se despedir do filho, do marido ou de outro familiar próximo”. Abeira-se dela uma jovem que lhe fala como se a conhecesse desde sempre: “ Olá, também sou cantora, também canto jazz” (não se sabe se sim, se não, pode ser uma estratégia de aproximação), mas que afinal resulta.
- Ah, sim!
- Sou a Amina, não esqueças, Amina. Sou daqui, de Dakar. E tu?
- Sou de Nova Orleães, Estados Unidos.
- Vou cantar uma canção para ti. Queres ouvir?
A americana faz gestos de incredibilidade, não esperava aquela atitude.
- É bonita – diz, sorrindo!
- Canta também uma música para mim – pede-lhe a africana de Dakar.
- Não, nunca canto fora dos espetáculos, só no duche.
- Canta, também cantei para ti.
Tenta lembrar-se de alguma canção e canta uns versos.
- Bonita, vais cantá-la no teatro?
- Não, esta não a canto, hoje, à noite. Cantei-a só para ti.
- Acabamos de nos conhecer e quem sabe se não nos voltamos a ver algum dia. O mundo é um “panuelo”, muito pequeno, podemos encontrar-nos. Talvez vá para a América, cante num clube de jazz e até no teu grupo…  
- Quem sabe, quem sabe...
A africana de Nova Orleães não quer acreditar no que acaba de lhe acontecer. Quando lhe perguntam o que se passou, não consegue dizer nada. Não tem palavras, algo se passou no seu encontro com Amina que não pode expressar. Não sabe expressar; um não dito, a está marcando por dentro.

(a propósito de um documentário a que assisti)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

"O que será dos meus filhos", o filme

Emociono-me com frequência – sobretudo, com aspectos que têm a ver com a identidade profunda das pessoas, com sentimentos que não conseguimos explicar – mas não sou de chorar.  Nesse filme, contrariamente ao habitual, recordo ter chorado do princípio ao fim.
É um drama humano, no limite do suportável: uma mãe doente, cancerosa, muito religiosa (de resto, a paróquia é um apoio), que sabe que vai morrer muito proximamente e que procura um futuro para os filhos, que vê possível, entregando-os a famílias com possibilidades. Entrega um, dois, três, quatro…, mas há uma criança (ou talvez mais) deficiente que não é adoptada e acaba numa instituição.
Deixa com a filha mais velha as direcções de todos os irmãos, na esperança de que não se percam uns dos outros.  
Já na fase terminal, resiste a tomar uma certa medicação que lhe alivia as dores mas a torna inconsciente, alheada, incapaz de continuar a lutar pelos filhos.
Não recordo a figura nem o papel do marido, estaria ausente do filme, seria a senhora viúva?
Não sei, vi-o há muitos anos, e se o recordo hoje, é porque acabo de me cruzar com uma heroína semelhante à do filme, também em fase terminal, e que literalmente me reproduziu a frase: “o que será dos meus filhos”. Fico sem articular palavra, parece-me ouvir um coro de mães: “o que será dos meus filhos”. Haverá lá dor maior!