Queria tanto escrever de forma simples, sobre coisas importantes, mas não sou capaz. Vivo enredada em conceitos, teorias..., que servem para muito pouco, porque nada é mais importante que a vida concreta de pessoas concretas, que riem, choram, amam, desprezam, sentem raiva, compaixão...; pessoas reais, afinal de contas.
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sábado, 25 de junho de 2016
quinta-feira, 23 de junho de 2016
Refugiados/deslocados: uma história (2)
- Não
preciso de água, o sol magoa-me, preciso de chão, de terra, que a minha raiz
seja colocada a uma profundidade boa, para poder crescer direitinha e forte. Sem
chão não vou poder resistir ao burburinho do vento, mesmo que seja fraco, não resistirei à chuva, mesmo que seja pouco forte - queixava-se a flor.
Há tantos perigos que espreitam quando as raízes são fracas e não temos
os apoios que precisamos para nos sentirmos confortáveis na terra. Preciso de uma
raiz presa à terra e de uma estaca que me ajude a segurar em pé.
A menina replantou a planta, fez um buraco
mais fundo, colocou a raiz completamente dentro da terra, alisou-a, fez uma
pequena poça que encheu de água e colocou-lhe, junto ao caule, uma estaca, como
uma muleta, para que a flor não caísse e se partisse, com o vento ou algum
encontrão.
Ficou à espera que ela reagisse àquela operação, sim, que replantar uma
planta é uma coisa difícil e que precisa de cuidados para ser bem sucedida.
A flor precisava de força para se agarrar com sucesso à vida e à terra do canteiro.
Passou tempo. A flor sobreviveu. Caíram-lhe as folhas, o fruto nesse ano não amadureceu, mas
ela agarrou-se à terra do canteiro, do seu canteiro, agora sentia que aquela terra também era sua. As raízes estão fortes, sente-se bem, está como se aí tivesse nascido.
Na
próxima Primavera, renascerá, terá folhas, flores e frutos. Presa à terra, está
presa à vida; ter um chão é sentir que nada de mal lhe pode acontecer e se
acontecer terá raízes para se defender. Já não acorda com dores de coluna, de
cabeça e de abraços, já não precisa de muletas nem de cuidados especiais, é igual às outras flores, precisa dos mesmos cuidados.
quarta-feira, 22 de junho de 2016
Refugiados/deslocados: uma história
T A flor murchava cada vez mais. Estava doente, há muito tempo, mas a doença tinha-se agravado, nas últimas semanas. O que se passaria com a flor? Fora plantada e regada, tinha sol, cuidados, mas não crescia como as outras flores suas vizinhas que tinham sido semeadas naquele canteiro. Talvez seja por ter sido trazida de outra terra e plantada, nasceu noutro lugar, num bonito vaso e aí era feliz, até ser arrancada com força e trazida para aqui. Ainda não se adaptou ao lugar e sofre de fraqueza até se habituar à terra. Precisa de mais atenção, de mais apoio, de mais água…,para que a sua raiz se agarre à terra, como se fosse sua, como se aí estivesse desde sempre, ai tivesse nascido, e sentisse que aquela terra lhe pertencia, também.
Talvez a plantação não tivesse sido feita com o cuidado necessário, talvez a raiz tivesse ficado muito à superfície e não pudesse alimentar-se como deve ser, talvez não seja nada disto e nem ela saiba bem porque se sente assim. Estava doente, sabia-se, porque não crescia como as outras e murchava, até que um dia começou a inclinar-se e a queixar-se de dores no corpo, queixava-se da coluna, dos braços e dos pés, inclinando-se cada dia mais um pouco até que parte da raiz ficou ao ar e começou a secar. Era o fim, se não a ajudassem a sobreviver.
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sexta-feira, 17 de junho de 2016
Palmas para a deputada britânica morta há dois dias
Mataram uma deputada trabalhista, por ódio, simplesmente. Mataram-na a frio e com a crueldade de que são capazes todos os radicalismos, sejam religiosos, ideológicos, políticos... Matam, porque não aguentam quem os olha nos olhos e tem a coragem de agir. Ela agia, denunciava, propunha...
quinta-feira, 9 de junho de 2016
Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (3)
Queria eu ter um ponto mínimo que
me permitisse compreender. Não encontrava, e isso era o mais terrível, o mais
doloroso. Tudo ruía dentro de mim. Tudo. A minha vida, as minhas crenças, o meu
passado, o meu presente e, pior, ainda, o meu futuro. Sairia alguma vez dali?
Não sabia. Mas, tal como todos os outros, imaginava essa possibilidade.
Precisava, para sobreviver, de acreditar que o pesadelo teria um fim.
- O povo, todo o povo, estará com
os Taliban? – interrogava-me, milhares e milhares de vezes. Não estava, mas não
havia possibilidades de rebelião, a opressão era tal e assumia tais formas que
era impossível, bastava uma fatha e tudo se desmoronava, aumentava a
violência, o medo, a desconfiança. Seria possível mudar? Seria possível uma
coisa diferente? Voltariam as mulheres a fazer parte da sociedade, a ter
direitos, a passear com os filhos? Voltariam a existir jardins, espaços de
convívio e de educação públicos, bibliotecas, escolas, torneios de futebol,
voltaríamos a ouvir música a sentir a emoção de assistir a um filme?
E os homens? Os homens, muitos
deles, são igualmente vítimas.
O uso da Burka é, em primeiro
lugar, uma questão religiosa, um preceito religioso, mas é igualmente uma
questão social. Mas apesar de tudo o mais violento e inaceitável era a
obrigação de usá-la,
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terça-feira, 7 de junho de 2016
Fundamentalismo islâmico: o inferno era aí (2)
Se ficam viúvas ou são mães
solteiras, renegadas pelos parentes, ficam completamente desesperadas. O
abandono e a fragilidade são completos. Uma tragédia sem limites as devora por
dentro, as perturba, as leva ao limite da sua capacidade de sofrimento mental.
Psicologicamente afectadas, como podem continuar a pensar, a cuidar-se e a
tratar dos filhos? Infinitamente sós vagueiam, pedindo esmola, prostituindo-se,
sendo usadas e abusadas por homens que as tratam sem pingo de humanidade e as
condenam à valeta.
O pior é que o fazem em nome de
uma religião, dum fundamentalismo religioso, que não deixa qualquer espaço para
a denúncia, o confronto ou a fuga. Só alguns podem. Muitas vezes me
interrogava:
- Como podemos continuar caladas? Como podemos continuar passivas?
Como poderemos contar aos nossos filhos o que nos está a acontecer?
Mas a resposta às minhas
perguntas era óbvia. Como podíamos resistir de estômago e mãos vazias? Como
podíamos, sem nada, lutar contra homens alucinados, dependentes do cheiro a
pólvora, armados e sem outra linguagem que não fosse a da violência. Aqui a
vida não tem o mesmo sentido. Não pode ter, senão como explicar isso?
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segunda-feira, 6 de junho de 2016
Fundamentalismo islâmico: o inferno era ali (1)
(Quis escrever, mais uma vez, sobre os refugiados do estado islâmico, mas vieram-me à lembrança imagens de outros ou do mesmo inferno. Este fundamentalismo não começou hoje, vem de longe e de perto, vem de sempre).
Abrir a janela, sair à rua, eram
coisas impossíveis. A guerra, a contínua e destruidora guerra, levava os homens
para a guerrilha, deixando desamparadas muitas mulheres e crianças. Mulheres e
crianças muitas vezes vítimas e várias vezes fechadas. Restava-lhes sonhar que um dia
seria possível atravessar as altas montanhas, atingir o lado de lá da fronteira
e entrar no Paquistão, onde poderiam, pelo menos, ter a esperança de ver
diminuída a insegurança e o medo. Como se fosse possível, aí, aliviar o
inferno!
Mil vezes, perguntei a mim
própria como era possível ter chegado ali. Viver como se tudo tivesse ruído, a
sociedade recuado cem anos, todos os direitos perdidos, toda a dignidade em
causa e toda a capacidade de seguir vivendo normalmente aniquilada. Viver em subterrâneos, educar as
crianças clandestinamente, correr, a toda a hora, sérios riscos de vida, era o
dia a dia de milhões de pessoas. Fecharam as escolas, reduziram a vida e a
condição das mulheres a uma situação humilhante.
Há trinta anos, setenta por
cento dos professores eram mulheres. Trabalhavam, saíam de casa, havia uma
normalidade de vida, embora muito determinada pela cultura e as tradições. Isso
tinha deixado de existir.
Nada, agora, era normal. A
severidade e a demência dos taliban deitavam por terra qualquer tipo de
lógica, qualquer tipo de sentimento, como se os mais elementares traços de
humanidade que cada um de nós transporta não pudessem existir. Começamos por
nos esquecer de rir, de falar, de amar, de ser solidário, com a nossa sanidade
mental,continuamente posta à prova, numa luta diária, para não deixar de ser gente. Manter alguma dignidade e alguma decência exigiam a capacidade de continuar. Resistir era o mais importante.
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