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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Auschwitz I


Auschwitz é hoje um museu, um importante documento para toda a humanidade, para que a barbárie, nos seus requintes de maior malvadez, não se repita. No final da guerra, quando os russos chegam e libertam os campos, os nazis destroem o que podem, em Birkenau, quase tudo.
A visita guiada é feita a um ritmo que não permite pensar, nem sequer ver as coisas com a atenção devida. Optei por não tirar fotografias e seguir, com a atenção possível, a guia, através dos fones distribuídos logo à entrada. O discurso é muito padronizado, muito pouco claro, não ajuda nada aquele português/espanhol; há algumas perguntas das pessoas do grupo…, mas, mesmo assim, crescem em mim as interrogações, sobretudo, sobre a dimensão do que aqui se passou.

Dos 45 pavilhões (julgo), em Auschwitz I, tenho a sensação de que apenas dez ou onze fazem parte do circuito das visitas, mas talvez sejam mais; a guia faz ainda referência ao pavilhão 11, a prisão dentro do campo, para quem ousasse fazer perguntas, roubar comida, discutir com alguém…, ao pavilhão de janelas entaipadas, pintadas de preto, onde se faziam experiências, se esterilizavam mulheres eslavas…; entre estes dois pavilhões fica o muro de fuzilamentos, lá está, com um pequeno memorial. Os outros pavilhões ou são de apoio ao museu ou são de países que perderam cidadãos neste campo (Holanda, Hungria, República Checa, Eslováquia …), com exposições próprias, mas que não fazem parte destas visitas normais.

A visita segue, de algum modo, o circuito dos judeus, desde que chegavam, de comboio, à rampa de Birkenau (Auschwitz II, a quatro quilómetros de Auschwitz I), até ao que resta das câmara de gás e de um forno crematório, o único que existe.
Os primeiros pavilhões falam da guerra, da deportação, dos prisioneiros, do extermínio em massa dos judeus europeus. Lá estão, com legendas em polaco e inglês, os documentos escritos, os mapas e as fotografias ampliadas que, tenho a sensação, todos já vimos, em filmes e documentários: sobre a chegada dos deportados (os olhares assustados, o medo, a separação, filhos que eram tirados às mães…); sobre o médico que os observava, ainda na rampa, e decidia arbitrariamente sobre as suas vidas, cerca de oitenta por cento ia diretamente para as câmaras de gás e vinte por cento, os mais capazes de trabalhar, ficavam. Eram registados, cadastrados, fotografados, já com o fato listado de prisioneiros e, a seguir, selecionados para os trabalhos forçados que havia dentro e fora do campo; sobre as imagens da fome, das doenças, das condições sub-humanas em que viviam e trabalhavam; sobre os corpos deformados pelas experiências de Mengele; e muito, muito mais, documentando uma tragédia humana sem limites. Sem limites, mesmo! Até onde teria ido – perguntamos?

Nos pavilhões seguintes, estão expostos objectos encontrados no campo: roupas, não muita; sapatos, muitos sapatos, de todos os tamanhos; óculos; próteses; utensílios de cozinha (panelas, tachos, pratos…); malas, muitas malas, com nomes e direcções, faziam crer aos prisioneiros que seriam guardadas e entregues depois; cabelo, muita quantidade (penso que duas toneladas deixaram os nazis no campo), a vitrina que mostra o cabelo impressiona, ocupa a longitude de um pavilhão (rapavam as pessoas antes de as gasear e aproveitavam o cabelo para forro de casacos das tropas alemãs, de colchões, de almofadas…); as latas de Zyklon B, o tal gás letal, que matava em 20 minutos 800 ou duas mil pessoas conforme a capacidade dos fornos.

Dentro de Auschwitz I, a visita acaba no que resta do forno crematório, o mais pequeno, de oitocentas pessoas; depois de percorrermos um primeiro corredor, acedemos a uma câmara onde se despiam, pensando que iam tomar banho, aqui, há também um memorial (um pequeno vaso de flores vermelhas) e o acesso limitado por um cordão, segue-se a câmara de gás, lá está por onde era lançado, a partir de uma espécie de tubo ou de alçapão, o corredor de acesso aos fornos, as mesmas portas…. É terrífico, talvez o ponto mais impactante, pelo que perturba, pelo que diz desta máquina de morte. A visita é dura. Aguenta-se a custo.



terça-feira, 4 de novembro de 2014

Auschwitz (1)

Cheguei a Auschwitz, no princípio da tarde, a partir de Cracóvia, num dia de outubro, com sol aberto e uma brisa suave que ia desprendendo das árvores folhas amarelas, castanhas, vermelhas…, um quadro que podia ser quase um poema, se não soubéssemos a carga histórica do que nos aguardava.
Estava inquieta. No autocarro que nos leva passam um documentário da BBC com testemunhos de sobreviventes de ambos os lados, soldados da SS, deportados, prisioneiros, crianças, agora com mais de oitenta anos…Estive atenta muito pouco tempo, por impossibilidade de assistir a tamanha crueldade. 
De repente, um quase nevoeiro (que não existia) invadiu a minha vista, ali estava o portão e a humilhante frase: “O trabalho vos fará livres”. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A crítica das convicções

O fundamentalismo islâmico que está a recrudescer de forma tão violenta e tão inusitada (quem é que estava à espera de uma coisa assim? Talvez os mais avisados sobre estas questões, mas não o comum das pessoas) coloca, obviamente, muitas críticas e muitas perplexidades:
- Por que é que estamos a assistir a isto, depois de tanta racionalidade, de tantos universais reconhecidos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, Tratados Internacionais, Protocolos adicionais…)?
Haverá muitas perspectivas de análise, mas, desde logo, é possível dizer que esses grupos extremistas não reconhecem nem os direitos humanos, nem o direito internacional…, radicalizam tudo na religião que não questionam.
- Por que é que islâmicos moderados aderem à ideologia extremista e passam a carrascos dos próprios vizinhos e conhecidos, com quem até há pouco dividiam um quotidiano pacífico?
Na verdade, passar de moderado a extremista é a mesma lógica, se radicalizamos numa ideologia, só isso interessa.
- De onde lhes vem o dinheiro para se armarem até ao ponto a que estamos a assistir?
Não se sabe, haverá meandros subterrâneos, mas uma coisa é certa ou a diplomacia internacional arranja maneira de não confundir interesses com valores e traça linhas vermelhas claras ou o trágico a que assistimos perdurará por muito tempo.
- O que leva jovens que não nasceram nessas culturas, nessas tradições, a converterem-se a elas e a serem tanto ou até mais extremistas que os outros?
A adesão de jovens ocidentais mostra, por um lado, a ausência de convicções próprias, não colocam nada em confronto, aderem de forma não reflectida, não mediada; por outro, mostra que há falhas nos sistemas educativos das sociedades em que vivem e supostamente foram educados, não estão preparados para pensar pela própria cabeça.
Um dos grandes desígnios da educação, em geral, tem de ser o de dar ferramentas para aprendermos a viver com os outros num mundo global. Claro que se pode dizer que nem tudo cabe à escola. Certamente, mas cada um faça o que tem de fazer.


                                                                                          

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A senhora x

Onde iria parar? não é primeira vez nem será a última, como dominar aquela ansiedade, aquele quase desequilíbrio emocional, que cada vez mais a põe num estado incapaz de se relacionar com alguém. Podia fugir de todos, fechar a porta, a televisão, tomar um comprido e dormir, mas, mesmo assim,: como fugir de si própria?


terça-feira, 9 de setembro de 2014

O jovem argentino que vinha do festival da Idanha

- Já é Lisboa?
- Não, é Santarém
- Falta muito para Lisboa?
- Mais ou menos 100km. Nunca veio a Lisboa?
- Não, não conheço.
Assim começou um diálogo muito interessante, até à estação do Oriente, com o jovem sentado a meu lado que vinha do festival da Idanha, que entendi ser de correntes alternativas de vida.
É claro nele um estilo de vida alternativo, mas há uma delicadeza nos gestos e um sorriso e uma gargalhada que criam empatia e proximidade.
Contesta a sociedade contemporânea, as suas instituições e os seus sistemas económicos e políticos; fala-me de liberdade, de paz, de justiça, de amor, da comunhão com a natureza…
Interesso-me. Quantas vezes já ouvi e li sobre utopias? Muitas.
Mas esta é uma utopia que tem um desprendimento e uma distância encantatórias;  não parece existir urgência, é a crença de que a mudança é inevitável, pela tomada de consciência de que não podemos seguir como estamos.
Fala-me da namorada espanhola que ainda não conseguiu fazer a opção e como compreende isso.  
Tento ver se há uma racionalidade ou apenas uma crença inconsequente. Tem um discurso estruturado, convicto, é culto, tem um curso superior, é professor, trabalhou num banco…, ou seja, não é um marginalizado, mesmo que tenha escolhido como tantos outros viver numa margem que acredita possa ser um caminho futuro. Fiquei curiosa, estou tão instalada na minha vidinha que não deixo que me surpreendam com facilidade, e este jovem conseguiu.
Um abraço para ele, lá onde estiver organizando ou participando em mais um festival.

                                                     


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O público e o privado, a propósito de Judite Sousa


Talvez, não tenha razão e a jornalista nada tenha feito para este alarido. Mas, parece-me despropositado o modo como voltou, tanta publicidade, tanto anúncio, tantas chamadas de atenção do canal de televisão onde trabalha, tanto ganho de audiências, tanto comentário…; mas, também, tanta capa de revista…
Este aparente marcar pontos é o quê? Foi ela que instrumentalizou a estação ou foi a estação que a instrumentalizou a ela? Foi ela que usou as revistas ou foram as revistas que a usaram a ela? Ou a palavra instrumentalizar é verdadeiramente despropositada?
Haverá respostas em diferentes sentidos, e muitas formas de ver a questão, mas ao que não podemos fugir é à referência de que há sempre um confronto de princípios e de interesses, entre um dever ser e algo que interessa que seja. Foi assim, é assim, e quase nunca ganham os princípios.
O espaço público é onde a autonomia é condicionada por regras, instituições, relações sociais normalizadas; enquanto, o espaço privado é onde somos verdadeiramente livres de escolher agir conforme o nosso sentido de bem e de felicidade, onde cada um decide como quer viver.
Portanto, se é muito ténue a linha entre público e privado, no caso de figuras mediáticas e socialmente relevantes, neste caso, a linha é clara: o modo como vive o luto pela morte do filho é algo absolutamente privado, a não ser que a própria decida que assim não é.



sábado, 30 de agosto de 2014

A morte chegou

Já aqui escrevi sobre ele. Sobre a sua degradação física, o seu olhar perdido e doente.
Acabaram de o encontrar morto em casa, sozinho, sem ninguém.
Mas, afinal, a sua solidão era igual à de muitos outros que morrem sós, nos lares, nos hospitais ou em suas casas. Tinha filhos, dizem-me que um deles tinha estado cá há pouco tempo.
Mas, a sua tormenta não acaba hoje, mesmo parecendo que acabou. Dadas as circunstâncias, vieram as autoridades e foi levado  para a medicina legal, na Covilhã, para ser autopsiado.
É assim. Quem tomará conta dele, do enterro?.
Certamente, virão os filhos, se não a misericórdia ou outra instituição fará o seu melhor.
Sinto a sua morte e recordo a sua vida de jovem adolescente que foi para França, ainda, muito  novo, para fugir à guerra de África e à miséria em que aqui se vivia. Por lá, viveu dias felizes e maus, é certo que não se pode dizer as pedras no seu caminho tenham sido poucas.