As pessoas,
quase, não nos olham; falo daquelas que andam pelas ruas, permanecem junto às
estradas, em pequenos negócios ou noutras ocupações, fazem colares de flores,
junto aos templos, pedem esmola aos turistas…, parecem ausentes.
A mulher do
semáforo. Era quase noite, já se via muito mal, num cruzamento de Nova Deli,
uma senhora, com um filho ao colo, magra, muito magra, quase esquelética,
aproxima-se dos vidros e pede esmola. Uma pessoa dá-lhe algum dinheiro
(bastante até); ela agarra-o, amarrota-o dentro da mão e em momento algum olha
a senhora que tenta comunicar com ela. Quase desvia o olhar, como se muros
invisíveis a separassem dos outros.
Ficará ali,
à espera de outros turistas e de outros autocarros, para mais uma vez se
dirigir aos vidros, de olhar perdido, pedindo esmola; ou deixará aquele
cruzamento e aquele semáforo, quando perceber que a quantia é suficiente para
comprar comida e alimentar os filhos.
O rapaz aprendiz de motorista. Dizem que tem dezoito anos, mas aparenta menos. Fala pouco ou nada, mas está sempre atento e disponível para tudo. Está ali, porque tem de fazer um estágio de três anos,
andar à beira de uma motorista já profissional, para poder vir a ser, no
futuro, um motorista daquela empresa.
Quando nos
deixam no aeroporto e nos despedimos, do guia, do motorista e deste jovem aprendiz
de motorista, com um aperto de mão, faço-lhe uma festa na cabeça e digo-lhe
algo, em inglês, para lhe mostrar como tinha sido importante o trabalho
dele durante todo o circuito e desejar-lhe boa sorte na vida. Fica muito
surpreso, não estava à espera, mas, sorriu e não baixou a cabeça: olhou para
mim. Depois, fiquei a pensar: talvez, culturalmente, não tivesse sido muito
propositado aquele gesto, mas quero lá saber de cultura, quero saber de gestos
humanos.
O menino órfão. Cinco ou seis crianças rodeiam o grupo de turistas que visitam as
ruínas duma cidade abandonada, há séculos, por falta de água, para venderem
bugigangas ou pedir esmola. Quando subimos, pergunto a um deles: - por que
pedes esmola, não vais à escola?
- Não tenho
pai, não tenho mãe, vivo com uma avó.
Quando
desço, o mesmo menino, continua: - não tenho irmãos, tinha uma irmã, mas morreu
há pouco.
Comecei a
achar que era demais, não precisava de tantos dramas, para conseguir uma nota
dos turistas.
Pergunto ao
mais crescido do grupo: - isto é verdade?
- É verdade,
dos meninos daqui, é o que mais precisa.
Acredito. Dou-lhe
uma nota. Afasta-se todo contente e eu fico a pensar: pode ser estratégia para
convencer turistas, mas temo que esteja a falar verdade.