Por mais leis e quadros jurídicos que possam existir,
não será possível, acabar com o mal e a violência que nos rodeia, a não ser por
escolha ética. O mal é da natureza humana. Somos todos capazes de ser bons e
maus, santos e demónios, vítimas e carrascos, explorados e exploradores..., como
se existisse uma falha originária que nos impedisse de reconhecer o outro, seja
quem for, como um individuo único e irrepetível a quem devemos respeito. A atitude
é sempre de alerta e a ação é sempre a da responsabilidade individual: o que
escolho fazer perante aquele a quem acolho e a quem devo respostas?
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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Um dia, talvez, terminem todas as atitudes racistas
Eu, também
Também eu canto a América
Sou eu o mais preto dos
irmãos.
Mandam-me comer na cozinha
Quando chegam as visitas,
Mas eu rio,
E como bem,
E forte vou crescendo.
Amanhã,
Estarei à mesa
Quando as visitas
chegarem.
Ninguém ousará
Dizer-me
Come na cozinha,
Então.
Aliás,
Eles verão como sou belo
E envergonhar-se-ão.
Também eu sou a América.
(saiu na Revista Pública
de 14 de Outubro de 2001, retirado de Langston Hughes, 1925, Collected Poems)
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
Boas Festas
Desejo a todos, os que por aqui passam, um Bom Natal e um Bom Ano de 2018.
Deixo um poema, sobre o racismo, ainda hoje a maior das discriminações:
Deixo um poema, sobre o racismo, ainda hoje a maior das discriminações:
É proibido publicar
Seria
aborrecido se Cristo
Voltasse, e fosse preto.
Há tantas igrejas
Onde não poderia rezar
Nos Estados Unidos
Em que o acesso dos negros
Por santos que sejam, é proibido.
Em que se celebra
Não a religião
Mas a raça.
Experimentai dizê-lo
E pode ser que sejais
Crucificados.
(Langston Hugges, 1902-1967,
Estados Unidos da América)
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
História de um encontro (4)
Ela sabe que se pegar no
telefone e disser onde está voltará ainda hoje para casa. Sabe isso, mas sabe
também que de novo voltará a fugir sem saber de quê ou de quem. Ele, ao
contrário, sabe que não vai pegar no telefone, nem voltar para casa. Ela não
quer, ele não pode, a situação é diferente.
Estranha sensação. Apesar
de diferentes as situações e distintos os problemas há um sentimento comum de
rejeição que ambos vivem. Num caso há desequilíbrio e incompreensão, no noutro há
uma rejeição que destrói sentimentos. Ao velho, isso dói profundamente, sente-se
humilhado e nada é pior do que isso. Ela sente que é rejeitada pelas suas
opções que ninguém a entende e todos criticam. Ambos precisam que cuidem e se
preocupem com eles.
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domingo, 17 de dezembro de 2017
História de um encontro (3)
Olhando
aquela adolescente, que podia ser sua neta, pensava: "que
mundo é este, que sociedade é esta, onde não há lugar para os
velhos e as crianças fogem de casa? Que vida familiar é
esta que exclui os velhos e não tem tempo para ajudar os filhos a
crescer e a viver a difícil adolescência. Que mundo é este em que
tantos estão sozinhos, apesar das multidões e do excesso de
comunicação"? O
velho não foi capaz de conter as suas emoções e de calar os seus sentimentos. Sem querer, começou a chorar.
-
Estás a chorar? - diz-lhe a jovem, olhando-o e tocando-lhe no rosto.
Também
ela se comoveu, pela primeira vez, fala com ternura na voz, num misto de surpresa e de compaixão, afinal ele parecia sofrer tanto ou mais do
que ela.
-
Olha, eu sou a Cláudia, queres vir comigo? Levo-te
para uma casa, já fora da cidade, onde vive uma amiga e onde às
vezes costumo ficar. Anda, vem, vem...
Arrastado
por ela, o velho deixa-se conduzir para fora da estação, sem
perguntas, mas observando e pensando sempre. Cláudia,
ora corria, ora parava, dizendo coisas sem sentido - a contradição presente em alguém que
sente raiva e culpa, por uma liberdade que quer e julga ter
conseguido, mas que não lhe serve para nada, antes, a maltrata e
prejudica. Cláudia não é capaz de cuidar de si, hoje, como em
muitas outras noites, terminará no beco de sempre, prostituindo-se, bebendo ou consumindo outra droga qualquer, apesar da idade.
O
velho pressente a situação mas não é capaz de dizer nada. Não é
capaz. Que coisa é essa que o impede de dizer seja o que for ao
mesmo tempo que questiona: «Para que quer Cláudia a liberdade se
não sabe ou não pode ser livre».
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sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
História de um encontro (2)
-
Tenho catorze anos e é a 4ª vez que fujo de casa. Mas, desta vez,
não volto, não volto mais - repetia, convencendo-se a si
própria de algo de que não estava segura. Mas também não quero ficar na rua - continuava. Leva-me para tua
casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A
rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar, meio a afirmar, calando-se em seguida.
Também ele estava na rua,
também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele. A jovem insiste:
-
Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais? Sabes porque é que
a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O
velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma, ou talvez vá para o fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável do que o
fim e ele pressentia-o.
-
Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas? Olha, já
jantaste? Queres jantar?
Duas
razões, dois discursos, provavelmente diferentes sentimentos, uma
mesma situação: uma jovem menina e um adulto, já velho, vagueando
pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem família e sem saída. Por
fim, o velho fala:
-
Vivia há muito com o meu filho. E
também há muito que deixei de ter privacidade e de sentir ajuda. Hoje, deixei de ter espaço, deixei de ter espaço ... - repetia o velho, calando-se de novo.
Tinham-lhe
desfeito a cama, ocupado o quarto e feito as malas. Iria viver para
um lar de idosos, onde fora inscrito contra sua própria vontade. Era
demais, não suportou. Pegou num pequeno embrulho, que guardava numa gaveta da cómoda, e saiu destroçado. Não deixou nada
escrito, não se despediu de ninguém, simplesmente saiu de sua casa, da sua casa.
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quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
História de um encontro (1)
(Uma história real, um velho e uma adolescente que saem de casa, um filme a que assisti, há muitos anos, julgo que na televisão espanhola, de que não sei precisar nem o título, e que conto de memória).
Um
velho de olhar triste vagueava sem sentido pela cidade. Era noite e
um frio intenso invadia-lhe o corpo e a alma. Contudo, era Verão.
Cansado, senta-se num banco de uma, quase deserta, estação de
comboios.
Cabeça
baixa, segura contra o corpo um embrulho que guarda como se fosse a
última coisa que lhe resta. O velho está só, sofre, num silêncio,
que magoa quem o observa. Disfarça a custo as lágrimas que
teimosamente lhe caem no rosto. De olhos semi-cerrados parece passar
em revista toda a sua vida, todo o seu sofrimento.
De
repente, de dentro dos arbustos do pequeno jardim contíguo à
estação, sai uma jovem mulher, quase criança, fugindo de uns
polícias. Grita, abraçando-se ao velho:
-
Avô, avô, que bom encontrar-te.
-
Este é o meu avô - diz, dirigindo-se a um dos polícias.
Ele
não entende. Não podia entender, mas sente que aquela criança
precisa de ajuda. Entra no jogo e corresponde ao abraço e ao
cumprimento da “neta”. Abraçados permanecem unidos por alguns
instantes, enquanto os polícias, embora desconfiados, se vão
afastando na direcção contrária à estação.
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