"Finalmente, uma rapariga bonita de Hebron"! Exclamou o irmão mais novo, olhando uma das irmãs pequenas, de 3 e 4 anos, depois de ter ajudado a mãe a dar-lhes banho, a vesti-las e a penteá-las. E continuou, com alguma ironia: “eu nasci em Hebron e não sou bonito”!
“Sim, tu és bonito, és um rapaz bonito” - diz-lhe a mãe.
A Cisjordânia, Hebron… – embora vivessem naquele subúrbio, no sul de Telavive, não pudessem regressar a casa (o pai tinha traído o seu povo e jamais seria aceite de volta, tal como a mulher e os filhos) –, eram todas as referências que davam ânimo, abriam sorrisos, traziam boas recordações.
O resto era desintegração, impossibilidade de obter a cidadania israelita, os filhos mais velhos perdendo-se (dezasseis, catorze e onze anos), insucesso escolar, fugas, acosso policial, tribunal de menores, reformatório, colégio interno …
Forte era a mãe, apesar, do problema físico! Aguentava. Sempre presente, lutando, indo…, mesmo quando o marido ficou oito meses em prisão domiciliária, por lhe ter batido. Só desmorona quando o filho mais novo é levado para um colégio interno, pensa que é igual ao reformatório onde está o filho do meio. O mais velho explica-lhe que não, que vai para estudar. Chora. Olha o marido e diz: “estamos a perder todos os nossos filhos”.
"Por que estás a chorar" - pergunta-lhe a filha de quatro anos?
"Dói-lhe o estômago" – responde o pai.
Como lhe vai dizer que lhe dói a alma! À mãe dói a alma, e muito! Se calhar, ao pai também, mas vinte anos de colaboração com os serviços secretos israelitas ditaram a sentença da sua vida. O pior é que ditaram também a da sua família.
(a propósito de um documentário na RTP 2)
Pesquisar neste blogue
segunda-feira, 2 de abril de 2012
quarta-feira, 14 de março de 2012
Contingência, demasiada
Acabámos de ouvir que, num grave desastre, na Suiça, morreram 28 belgas, entre eles, 22 crianças, que vinham de umas férias na neve. Perturba. Aflige, a contingencia humana. Há uma insutentável precariedade. Morre-se no primeiro mundo, como se morre nas montanhas do Afeganistão, como se morre nos bairros da Siria e por todo o lado. É o instante da vida ou da morte, não sei bem. Não percebemos nada, confundem-nos com o poder, o dinheiro, a fama..., e, depois, a vida é isto.
sexta-feira, 2 de março de 2012
Homs, sangrando
O cerco das últimas semanas, por parte das tropas governamentais, a um bairro de Homs, onde os rebeldes sírios se refugiaram, parece ter tocado todos os limites. Bombas, mortes, fome... Impressiona ver imagens de pessoas a apanhar a neve que cai, em bacias e baldes, para terem água para beber. Entretanto, a comunidade internacional assiste. Houve reuniões, em Tunes, designou-se um enviado especial da ONU, o antigo secretário geral, conseguiu-se, a custo, visitar a cidade, evacuar os feridos, entre eles jornalistas, e agora espera-se por condições para a ajuda humanitária poder actuar com segurança, para se poder chegar a Damasco e, finalmente, se houver sorte, se poder conversar com o ditador. Triste sina, a de um povo que apenas quer liberdade e direitos básicos. Triste sina a de organizações como a ONU que, perante ditadores deste género, ficam sem saída, ou quase.
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Carmelo, clausura
Num programa sobre a felicidade ou, talvez, melhor, sobre o sentir-se feliz, entra na reportagem uma carmelita jovem que, depois da licenciatura, quando, aparentemente, o seu rumo iria num certo sentido, resolve entrar para o Carmelo. “Aqui, no Carmelo, vivemos muito a consciência da comunidade. Foi Jesus que nos chamou, foi Ele que nos escolheu, é um processo de adaptação à vida de oração e de amizade com Deus. Pelo amor chegamos a qualquer parte do mundo, o amor é eterno, difunde-se" . Bonitas, estas palavras! E continua: "Às vezes, vê-se uma certa inutilidade, aqui escondidas com Deus, numa total gratuidade, uma vida escondida, numa totalidade, sem limites..., queria poder dar-me sem estar à espera de ver os frutos, dar-me sem recompensas, quando nos entregamos sem limites, na intimidade com Jesus, nada fica longe, tudo é perto. Há um enamoramento na oração “a oração enamorada”, como o poema de São João da Cruz, porque Cristo é tudo para mim, em Jesus Cristo, não há longe, não há distância".
Fico a pensar: quantos quererão fugir, tal como esta jovem freira, da fragmentação e do relativismo que nos invade por todos os lados? Muitos, com toda a certeza, mas poucos "são chamados". Por que são tão pouco os eleitos? Por que entendemos tão pouco de um discurso como este?
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Identidade(s)
Numa reportagem da televisão de Castilla-Leon, por terras de fronteira, Bragança e Sanabria, questionava-se sobre se há ou não a identidade do “transfronteiriço”, algo que corresponderia a ser habitante da fronteira, a ser de cá e de lá; ou se, como acontece noutros casos, é uma palavra vazia, ou quase. Quando perguntam à jovem portuguesa que trabalha, há anos, numa cidade do lado de lá da fronteira, responde: “não, sentimo-nos portugueses, somos portugueses, mas se me perguntam se quero ir para Portugal, digo que não, aqui vive-se melhor, o ordenado mínimo é quase o dobro”.
Parece, então, não serem as condições materiais que criam sentimento de identidade. Ninguém se sente transfronteiriço, o máximo que o repórter consegue, nisto de “confundir identidades” é: “somos uma coisa e outra, somos espanhóis e somos portugueses, somos como irmãos”, diz uma senhora espanhola responsável por um organismo ligado ao turismo.
Enquanto, um jovem presidente duma associação, ligada ao parque de Montesinho, diz: “há projectos ibéricos, com financiamento europeu, como o Museu da Máscara, mas nós temos as nossas coisas, eles têm a deles, há uma identidade nossa e uma identidade deles”. Impossível explicar melhor, não se diluem identidades culturais profundas, mesmo com usos e costumes próximos.
Parece, então, não serem as condições materiais que criam sentimento de identidade. Ninguém se sente transfronteiriço, o máximo que o repórter consegue, nisto de “confundir identidades” é: “somos uma coisa e outra, somos espanhóis e somos portugueses, somos como irmãos”, diz uma senhora espanhola responsável por um organismo ligado ao turismo.
Enquanto, um jovem presidente duma associação, ligada ao parque de Montesinho, diz: “há projectos ibéricos, com financiamento europeu, como o Museu da Máscara, mas nós temos as nossas coisas, eles têm a deles, há uma identidade nossa e uma identidade deles”. Impossível explicar melhor, não se diluem identidades culturais profundas, mesmo com usos e costumes próximos.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
O homem que plantava árvores
Era francês. Tinha chegado ali, àquele vale, no interior de Madagáscar, depois de muito ter andado pelo mundo. Chegou sem intenção de ficar, mas algo o prendeu à terra, às montanhas, às florestas, à natureza quase intacta que apenas a erosão destruía. Chegado aí, pousou a mochila, montou a tenda e misturou-se com o vale e os seus habitantes. É de lá.
Mas como é daí, se está a milhares e milhares de quilómetros de casa? Como é daí, se nada em redor é para si conhecido?
Talvez, não seja; ou talvez, sim.
Pois, como não é daí, se sente com o povo e a paisagem uma identificação profunda!
Há mistérios, nisto da vida, das pessoas e das relações, que ninguém explica. É daí, e chega. Não há mais necessidade de justificações. Aprendeu a língua, os costumes, a magia e o misticismo, a que não se pode fugir, construiu viveiros de várias espécies de árvores, fez educação ambiental nas escolas e com a ajuda de crianças e jovens reflorestou encostas e iniciou florestas. Criou vida sustentável, vida que se perpetuará enquanto houver quem recorde (e siga) o homem que plantava árvores.
Mas como é daí, se está a milhares e milhares de quilómetros de casa? Como é daí, se nada em redor é para si conhecido?
Talvez, não seja; ou talvez, sim.
Pois, como não é daí, se sente com o povo e a paisagem uma identificação profunda!
Há mistérios, nisto da vida, das pessoas e das relações, que ninguém explica. É daí, e chega. Não há mais necessidade de justificações. Aprendeu a língua, os costumes, a magia e o misticismo, a que não se pode fugir, construiu viveiros de várias espécies de árvores, fez educação ambiental nas escolas e com a ajuda de crianças e jovens reflorestou encostas e iniciou florestas. Criou vida sustentável, vida que se perpetuará enquanto houver quem recorde (e siga) o homem que plantava árvores.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Tiroteio em Homs, cidade Síria
“Espero que o meu Deus os assassine”, gritava um homem sírio, da cidade de Homs, depois de mais um tiroteio, num dos bairros, com dezenas de mortos.
“Que o meu Deus os assassine”, arrepia só de ouvir; arrepia só de pensar no turbilhão de emoções e de sentimentos que invadem este homem. É um paradoxo que o Deus misericordioso, manso e compassivo, que a todos acolhe, salva e dá abrigo, seja também o Deus vingativo, que retalia, assassina e massacra. Custa a crer nesta menoridade face à religião; uma religião que abrange, justifica e direcciona tudo. Sem outro espaço, não admira os resultados. Se ao menos fosse possível deixar de instrumentalizar Deus e a religião! Avança tudo, mas a violência, a crueldade, é a mesma de sempre. Para que queremos séculos de civilização, se estamos sempre no ano zero!
“Que o meu Deus os assassine”, arrepia só de ouvir; arrepia só de pensar no turbilhão de emoções e de sentimentos que invadem este homem. É um paradoxo que o Deus misericordioso, manso e compassivo, que a todos acolhe, salva e dá abrigo, seja também o Deus vingativo, que retalia, assassina e massacra. Custa a crer nesta menoridade face à religião; uma religião que abrange, justifica e direcciona tudo. Sem outro espaço, não admira os resultados. Se ao menos fosse possível deixar de instrumentalizar Deus e a religião! Avança tudo, mas a violência, a crueldade, é a mesma de sempre. Para que queremos séculos de civilização, se estamos sempre no ano zero!
Subscrever:
Mensagens (Atom)