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domingo, 19 de outubro de 2008

A fome, lá longe e não só

Vi na televisão, há dois dias, quando tanto se fala e tanto se explora a crise, mesmo a um nível que, muitas vezes, não respeita, como é dever da imprensa, a dignidade das pessoas - fazem perguntas, mostram primeiros planos de rostos, mãos, etc. e recantos de miséria que não são necessários para todos percebermos tudo - um jovem pai paquistanês dizer: "não temos nada para comer. Não tenho comida para os meus filhos, o melhor é matar-me a mim e a eles". Demasiado forte. Demasiado brutal. Demasiado tudo. E o mundo assiste, uns manejando estatísticas, números, planos contra a crise, sem nunca fixarem um rosto, imunes às tragédias mesmo que tenham o poder de decidir sobre estas vidas ; outros fazendo o que podem, em associações, por conta própria, etc. , ainda assim são os únicos que fazem a diferença.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O tempo de que não podemos falar

Um documentário sobre "A casa tropical", casas construídas, no pós II Guerra Mundial, em cidades africanas como Brazaville (Congo) ou Niamey (Níger), coloca-nos uma importante interrogação sobre o tempo. Casas que, passados mais de cinquenta anos, já muito degradadas e desfiguradas, foram compradas, desmontadas peça a peça, metidas em contentores e levadas para o 1º mundo para serem transformadas em obra de arte. São agora exibidas em Paris, Roma, Nova Yorque. Discutia-se: são ou não património do Congo e do Níger? Devem voltar a estes países? Têm estes países alguma noção de património, de passado histórico? Alguma noção da importância de preservação do passado? Ao limite, tem noção de passado?
São os próprios a responder. A antiga proprietária da casa de Brazaville acha que ainda bem que a sua "casa" (que um francês lhe comprou e pagou bem, tirando-a da miséria) seja agora obra de arte que todos admiram, está certa de que se tivesse ficado teria sido completamente destruída. Um artista local diz: - os africanos não preservam o passado, não precisam do passado.
Não compreendo. Compreendo que, se alguém vive na mais extrema pobreza, não se interesse por guardar as pedras ou os ferros do edifício histórico, se as precisa para fazer um muro; compreendo que utilize a casa/o monumento para viver, guardar o gado ou o que seja; compreendo que se alguém que vive obcecado com a comida desse dia, não tenha como preocupação preservar marcas da história. Mas estas pessoas hão-de ter alguma noção de passado, porque ninguém escolhe ter ou não memória, temos memória, temos passado, mesmo que não saibamos que vozes o habitam, que imagens, que antepassados ou que deuses eternos o povoam. Não sabemos, mas eles sabem. É o tempo de cada um, subjectivamente vivido e pensado, de que não podemos objectivamente falar. Um tempo que existe sem precisar de qualquer marca visível.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sempre, a violência

Há três dias, um motorista reformado, de 65 anos, mata a tiros de caçadeira dois vizinhos por supostamente um deles estacionar de forma sistemática um carro em frente de sua casa. O motivo parece ridículo, e é. Não é motivo, não pode ser motivo, para tamanho descontrolo e para tamanho tiroteio. Mas foi. Talvez este homem se tenha sentido mil vezes desrespeitado, pelo abuso e a arrogância de quem mesmo sabendo como isso era perturbador para este senhor continuava a estacionar o carro naquele sítio. Mas também isto não pode justificar o que aconteceu. Talvez a perturbação mental, nestes casos, e há muitos, seja sempre a justificação mais plausível. Não sei. O que sei é que a violência humana é inata, o mal faz parte de nós; mas as armas não, ninguém nasceu com armas e munições na mão. A questão das armas é temível,a quantidade de armas legais e ilegais que andam por aí são mortes em potência. Isto é uma certeza, como se tem visto, não apenas em Portugal.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

"Estou aqui, porque gosto muito de si"

Ontem, assisti a um momento emotivo, no Congresso Internacional sobre Eduardo Lourenço. O escritor António Lobo Antunes subiu à tribuna e disse palavras muito bonitas, sobretudo, porque ficou clara a sinceridade das mesmas e a profunda admiração e amizade. No final, quando desceu, Eduardo Lourenço levantou-se, dirigiu-se a ele e abraçaram-se. Não foi uma formalidade, foi muito mais. Lobo Antunes saiu, logo de seguida, mas este momento perdurará para sempre, pelo menos, na minha memória. Há gestos, há aconteceres, que são autênticos tratados sobre a psicologia e a alma humana, seja lá o que isso for. Tenho a certeza que o momento ultrapassou os próprios.

sábado, 27 de setembro de 2008

Terror em Islamabad

Na semana passada, um luxuoso hotel da capital do Paquistão foi atingido por bombas terroristas. Muitos ocidentais estavam lá, alguns morreram e outros ficaram feridos. Ouvimos as notícias e ficamos com a sensação de que as dezenas de mortos paquistaneses são deixadas em segundo plano, porque é preciso falar em primeiro lugar da morte dos americanos e europeus que ocupavam altos cargos diplomáticos. A vida humana não tem o mesmo valor? A morte de alguém não se lamenta da mesma maneira? Talvez eu esteja a ver mal.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Onde fica a estima de si

Li não sei onde que os produtos cosméticos para o branqueamento da pele são na Índia e em África um dos negócios mais lucrativos. Falava-se de um anúncio de uma televisão indiana que mostra uma mulher triste, abandonada, a quem o marido troca por outra de pele mais clara. É, então, anunciado um creme extraordinário que lhe branqueará a pele e lhe trará o marido de volta. Penso: não é apenas um anúncio racista, intolerável e triste ( são os próprios a assimilar e a subjugarem-se aos estereótipos de sempre), é também um anúncio miseravelmente machista. Por que razão hão-de ser as mulheres brancas mais bonitas e desejadas? Por nenhuma razão. Assim, não chegamos a lado nenhum.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Que "raio" de desenvolvimento

Um norte-americano, de férias numa ilha do Pacífico, interroga um habitante local:
- O que faz o senhor? Como é a sua vida?
- Levanto-me e vou pescar duas ou três horas pela manhã. Venho, almoço, durmo a sesta com a minha mulher; à tarde vou para o bar jogar com os meus amigos e ouvir música; e quando chega a noite janto e deito-me.
- Por que não trabalha mais horas? Podia pescar cinco ou seis horas, vender o peixe que não precisasse e ganhar mais dinheiro.
- E para quê?
- Para poder comprar um barco a motor, pescar mais peixe e montar um negócio.
- E para quê?
- Para poder comprar outro barco, montar outra peixaria e ganhar mais dinheiro.
- E para quê?
- Para montar uma fábrica de conservas e ganhar mais dinheiro.
- E para quê?
- Para poder comprar uma grande frota de barcos, tornar-se o maior exportador de peixe da ilha e ganhar muito dinheiro.
- E para quê?
- Para construir mais e mais empresas, negociar na Bolsa e ganhar muito dinheiro.
- E para quê?
- Para poder viver como um milionário, ter muitas casas, muitas piscinas, muitos barcos, um avião particular e ganhar muito dinheiro.
- E para quê?
- …
Podíamos seguramente continuar, mas para quê? Entre os que nada ambicionam e aqueles que tudo ambicionam, não haverá um meio-termo? Sem mais comentários.

(Ouvi esta história há uns dias a alguém que questionava a racionalidade do desenvolvimento económico).