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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O tempo de que não podemos falar

Um documentário sobre "A casa tropical", casas construídas, no pós II Guerra Mundial, em cidades africanas como Brazaville (Congo) ou Niamey (Níger), coloca-nos uma importante interrogação sobre o tempo. Casas que, passados mais de cinquenta anos, já muito degradadas e desfiguradas, foram compradas, desmontadas peça a peça, metidas em contentores e levadas para o 1º mundo para serem transformadas em obra de arte. São agora exibidas em Paris, Roma, Nova Yorque. Discutia-se: são ou não património do Congo e do Níger? Devem voltar a estes países? Têm estes países alguma noção de património, de passado histórico? Alguma noção da importância de preservação do passado? Ao limite, tem noção de passado?
São os próprios a responder. A antiga proprietária da casa de Brazaville acha que ainda bem que a sua "casa" (que um francês lhe comprou e pagou bem, tirando-a da miséria) seja agora obra de arte que todos admiram, está certa de que se tivesse ficado teria sido completamente destruída. Um artista local diz: - os africanos não preservam o passado, não precisam do passado.
Não compreendo. Compreendo que, se alguém vive na mais extrema pobreza, não se interesse por guardar as pedras ou os ferros do edifício histórico, se as precisa para fazer um muro; compreendo que utilize a casa/o monumento para viver, guardar o gado ou o que seja; compreendo que se alguém que vive obcecado com a comida desse dia, não tenha como preocupação preservar marcas da história. Mas estas pessoas hão-de ter alguma noção de passado, porque ninguém escolhe ter ou não memória, temos memória, temos passado, mesmo que não saibamos que vozes o habitam, que imagens, que antepassados ou que deuses eternos o povoam. Não sabemos, mas eles sabem. É o tempo de cada um, subjectivamente vivido e pensado, de que não podemos objectivamente falar. Um tempo que existe sem precisar de qualquer marca visível.

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