-
Tenho catorze anos e é a 4ª vez que fujo de casa. Mas, desta vez,
não volto, não volto mais - repetia, convencendo-se a si
própria de algo de que não estava segura. Mas também não quero ficar na rua - continuava. Leva-me para tua
casa, preciso de alguém que goste de mim.
- A
rua é perigosa - diz o velho, meio a perguntar, meio a afirmar, calando-se em seguida.
Também ele estava na rua,
também ele precisava de casa e de alguém que gostasse dele. A jovem insiste:
-
Fala, diz alguma coisa, vais viajar? Aonde vais? Sabes porque é que
a “bófia” me queria apanhar? Porque não perguntas nada?
O
velho aturdido pensava «não vou para parte nenhuma, ou talvez vá para o fim de mim mesmo». Nada é mais inevitável do que o
fim e ele pressentia-o.
-
Caraças, não percebo, não dizes nada? Não falas? Olha, já
jantaste? Queres jantar?
Duas
razões, dois discursos, provavelmente diferentes sentimentos, uma
mesma situação: uma jovem menina e um adulto, já velho, vagueando
pela cidade, sem casa e, aparentemente, sem família e sem saída. Por
fim, o velho fala:
-
Vivia há muito com o meu filho. E
também há muito que deixei de ter privacidade e de sentir ajuda. Hoje, deixei de ter espaço, deixei de ter espaço ... - repetia o velho, calando-se de novo.
Tinham-lhe
desfeito a cama, ocupado o quarto e feito as malas. Iria viver para
um lar de idosos, onde fora inscrito contra sua própria vontade. Era
demais, não suportou. Pegou num pequeno embrulho, que guardava numa gaveta da cómoda, e saiu destroçado. Não deixou nada
escrito, não se despediu de ninguém, simplesmente saiu de sua casa, da sua casa.