Muitas vezes, ao atravessarmos certas regiões de África, invade-nos um sentimento de contingência, de precariedade, como se as areias, os ventos, as brumas, o calor, o sol e a chuva se combinassem para eternizar o presente e a necessidade de um contínuo recomeço.
Só as árvores parecem eternas, lá, onde estão, cumprindo um destino. São eternos os coqueiros que guardam, de muito alto, a baía de Inhambane, à saída do barco, em Maxixe. São eternos os cajueiros, de enormes copas, quase tocando o chão, que vislumbramos pelos vidros do autocarro, pelas estradas de Gaza; são eternas as altas e frondosas mangueiras, carregadas de mangas, que passam de verdes a amarelas e vão caindo de maduras, no recreio do Instituto São José, em Inhambane ; são eternas as acácias vermelhas que sobem por cima dos telhados no pátio dos salesianos, em Maputo. São eternos os olhares que olham as árvores. Há uma eternidade em cada instante, por mais breve que seja.
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quinta-feira, 18 de junho de 2015
terça-feira, 16 de junho de 2015
Redistribuição ou reconhecimento?
A discussão contemporânea sobre a justiça, pelo menos no campo da reflexão filosófica e política, situa-se muito entre os que entendem que a justiça distributiva, na linha da moral kantiana, responde a todas as questões da distribuição justa dos bens sociais, por se tratar de princípios universais; e os que entendem que isso é impossível sem o reconhecimento dos indivíduos concretos, das suas identidades, práticas culturais e objectivos específicos, impossíveis de universalizar.
Tratar estas perspectivas como antagónicas, leva a criar pólos que se opõem em vez de criar possibilidades de alguma conciliação. O ponto é saber como pode isso ser feito. a questão é: como conciliá-las em vez de as colocar em oposição?
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cidadania;diversidade,
coesão social,
justiça
terça-feira, 9 de junho de 2015
Globalização, a difícil realidade
Aparentemente, nunca foi tão fácil conhecer e interagir
com outros povos e outras pessoas e, portanto, estabelecer contactos e relações
interculturais. Seria assim, se todos os saberes estivessem vagueando nas redes
de informação virtual e se todos os que querem e procuram conhecer outras
culturas, tivessem acesso a um computador e dominassem as técnicas
informáticas.
Ora, não é isso que acontece. Há milhões de seres humanos
excluídos deste processo de globalização, sem possibilidade de qualquer
interacção a nível global. E mesmo para aqueles que têm acesso e dominam a
técnica, não é seguro que o excesso de informação se traduza num maior
conhecimento cultural, não, apenas, porque é necessário ter adquirido qualidades
intelectuais que lhes permitam aprender – capacidade de contextualizar a
informação, de interpretá-la, de torná-la sua… – mas, ainda, porque escapa à
voragem informática a complexidade e a riqueza de todos os processos humanos, nas
suas dinâmicas de sobrevivência, de resistência e de desenvolvimento que o
viver local dos diferentes grupos supõe e envolve.
Etiquetas:
Desenvolvimento,
interação cultural
quinta-feira, 4 de junho de 2015
Desenvolvimento sustentável
Um desenvolvimento que dê prioridade à educação, que aposte na valorização pessoal e social das pessoas através da educação e formação. Um desenvolvimento que ponha o local e suas potencialidades à frente de outros interesses.
Coisas simples, de
bom senso, poderiam ser feitas, por exemplo, se em determinada região do mundo
a base da alimentação é o milho ou o arroz, porque se hão-de plantar apenas café
ou bio-combustíveis, produtos sujeitos a especulações bolsistas que, não raro,
afectam quem produz e quem vende. Melhor, produtos que assegurem a subsistência.
Também, um desenvolvimento científico e técnico equilibrado. Se não há conhecimentos para operar
determinada máquina, porque se investem milhões nela, se sabemos que irá ficar
parada, à mínima avaria. A ideia deve ser, sempre, a de um desenvolvimento capaz de criar sustentabilidade, em vez de acentuar ruturas, com capacidade de lançar novos desafios, ancorados em objectivos já
alcançados, para que o progresso não se transforme numa mera ilusão.
Etiquetas:
Desenvolvimento,
Educação,
sustentabilidade
sábado, 30 de maio de 2015
O pianista, o filme
É o relato de um
sobrevivente, de alguém que perdeu toda a família, passou o inimaginável para sobreviver, mas nunca vendeu a alma. É sobre uma pessoa
real, Szpliman, que, na altura do filme, em 2000, ainda vivia em Varsóvia.
Talvez, o que mais perturbe sejam as
cenas de humilhação, quando se perde completamente a capacidade de autonomia (ainda que, em rigor possamos dizer que tudo era humilhante), como a cena da dança, à saída do gueto, os judeus dançavam para os guardas, que troçavam, riam, voltavam a rir…; ou as cenas de sobrevivência, como quando um grupo de pessoas tenta roubar uma panela de sopa das mãos de uma senhora; ela foge, a sopa entorna-se, e aquelas pessoas lambem do chão, tudo, até ao mínimo
resto de alimentos. Também a cena da criança que grita desesperadamente em casa, a certa altura, sai por um buraco para a rua, mas é tal seu estado que morre, ali, à nossa frente.
Foi o mesmo desespero por comida que levou o pianista, quando estava refugiado numa casa e a pessoa que devia levar-lhe alimentos não pode fazê-lo, tal a dimensão do tiroteio em Varsóvia, a procurar alimentos por todo o lado, a abrir portas de armários, a fechar portas, procurando alguma coisa que pudesse comer. Quando finalmente encontra uma lata, agarra-a com tanta força que a lata cai no chão, espalha-se a farinha e o barulho é tal que os vizinhos chamam a polícia e o pianista é preso.
Também, há no filme encontros humanos muito bonitos: os polacos não judeus que resolvem ajudar os judeus a sobreviver, a organizar a resistência no gueto, etc. Há um encontro particularmente improvável de um soldado alemão que encontra o pianista, fugindo e escondendo-se. Olha-o e pergunta-lhe:
- Quem é você?
- Sou pianista, eu era pianista.
Há um clic qualquer no SS que resolve ajudá-lo. Depois do cerco a Varsóvia, este soldado, tal como todos os outros, é preso e lavado pelos russos para um campo de prisioneiros. Um dia viu, ao longe, um rapaz que gritava:“eu era violinista, tiraram-me tudo".
Lembrou-se do pianista, levantou-se, afastou-se do grupo e disse ao violinista:
- Conhece Szpliman?
Foi o mesmo desespero por comida que levou o pianista, quando estava refugiado numa casa e a pessoa que devia levar-lhe alimentos não pode fazê-lo, tal a dimensão do tiroteio em Varsóvia, a procurar alimentos por todo o lado, a abrir portas de armários, a fechar portas, procurando alguma coisa que pudesse comer. Quando finalmente encontra uma lata, agarra-a com tanta força que a lata cai no chão, espalha-se a farinha e o barulho é tal que os vizinhos chamam a polícia e o pianista é preso.
Também, há no filme encontros humanos muito bonitos: os polacos não judeus que resolvem ajudar os judeus a sobreviver, a organizar a resistência no gueto, etc. Há um encontro particularmente improvável de um soldado alemão que encontra o pianista, fugindo e escondendo-se. Olha-o e pergunta-lhe:
- Quem é você?
- Sou pianista, eu era pianista.
Há um clic qualquer no SS que resolve ajudá-lo. Depois do cerco a Varsóvia, este soldado, tal como todos os outros, é preso e lavado pelos russos para um campo de prisioneiros. Um dia viu, ao longe, um rapaz que gritava:“eu era violinista, tiraram-me tudo".
Lembrou-se do pianista, levantou-se, afastou-se do grupo e disse ao violinista:
- Conhece Szpliman?
- Sim.
- Diga-lhe que estou aqui.
Mas, quando Szpilman o procurou, no campo de prisioneiros, depois de ter tido conhecimento do sucedido, percebeu que o campo tinha sido desmantelado e que esse soldado já não estava vivo.
- Diga-lhe que estou aqui.
Mas, quando Szpilman o procurou, no campo de prisioneiros, depois de ter tido conhecimento do sucedido, percebeu que o campo tinha sido desmantelado e que esse soldado já não estava vivo.
O filme é em sua memória
e em memória dos judeus mortos
Etiquetas:
gueto de Varsóvia,
holocausto,
II guerra mundial
sábado, 23 de maio de 2015
Violência, uma vez mais
Pode legitimar-se a violência? Não pode, venha de onde vier e tome a forma que tomar.
Podemos atribuir as causas às desigualdades
sociais, à miséria, às doenças e desequilíbrios mentais, à sucessão de fracassos em que tantas vidas se transformaram, mas não chega. A violência está em nós, precisamos de nos vigiar continuamente.
Sucedem-se assaltos, crimes,
agressões..., a violência tornou-se geral e quase banal, embora ainda não o seja totalmente, ainda se
abrem telejornais com noticias enquadradas na lógica
de uma sociedade livre, democrática, de direito e com a consciência cívica de que é preciso fazer alguma coisa.
É preciso indignação contra a violência, não a aceitar como
inevitável, não fechar os olhos, o que aconteceu em Salvaterra, o que aconteceu em Guimarães e o que acontece todos os dias em tantos lados, diz-nos respeito, também é connosco.
quinta-feira, 7 de maio de 2015
A rigidez das leis, a justiça social
"Não vê a minha situação, não me deixa explicar, diz-me
que não pode fazer nada, que a lei não o permite” - diz a senhora que acaba de sair do gabinete em frente. Referia-se à assistente
social, com quem tinha acabado de falar, depois de ver esgotado o subsídio de
desemprego. Ao ouvir esta
senhora que, no seu sentido comum de justiça, acabara de (d)enunciar toda a
conflitualidade do campo prático: entre a universalidade da lei e a pessoa
concreta, penso na necessidade de encontrar respostas que conciliem a rigidez das normas com a solicitude das pessoas singulares.
Nessa mesma manhã, assisti a uma sucessão de situações da mesma natureza, portanto, é bem visível, no quotidiano social, o impacto da crise económica que estamos a viver.
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