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sexta-feira, 25 de março de 2011

Mãe negra

(a propósito do recente dia mundial da poesia)

Prelúdio

Pela estrada desce a noite
Mãe-negra desce com ela.
Nem buganvílias vermelhas,
Nem vestidinhos de folhos,
Nem brincadeiras de guisos,
Nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
Em duas faces cansadas.

Mãe-negra tem voz de vento,
Voz de silêncio batendo
Nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite descendo,
De mansinho pela estrada...
Que é feito desses meninos
Que gostava de embalar?....

Que é feito desses meninos
Que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora histórias
Que costumava contar?...

Mãe negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo, como eu sei tudo
Mãe-negra!...

Os teus meninos cresceram,
E esqueceram as histórias
Que costumava contar...

Muitos partiram pr’a longe
Quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
Mãos cruzadas no regaço,
Bem quieta bem calada

É a tua voz deste vento,
Desta saudade descendo,
De mansinho pela estrada...

(Poesia de Alda Lara, in Poemas, 1966, Angola, in Os direitos humanos na Língua Portuguesa, )

Tumultos na Síria

Há no ar como que uma espécie de inevitabilidade: quem será a seguir? Se alguém pudesse explicar, com a profundidade que a situação exige, o que se está a passar no mundo árabe, era uma preciosa ajuda.  O que se passa é mais que política, economia, petróleo...,  é da ordem do essencial, do ser pessoa, que, apesar de décadas e décadas de estado de emergência, de estado de sítio, de  estados policiais e militarizados, de ditaduras e ditadores..., diz basta.

quinta-feira, 24 de março de 2011

E um dia, a democracia bateu à porta

Estavam ali reunidos para discutirem como deveria ser a organização desse país novo, onde tudo poderia funcionar bem ou mal, conforme as decisões que tomassem. O futuro dependia deles e isso era muita responsabilidade, mas também uma grande alegria e uma enorme confiança, todos juntos poderiam construir um país diferente.
Decidiriam que não haveria mais reis nem rainhas, nem príncipes nem princesas a quem o povo iria beijar a mão e pagar tributo, reverenciar como se fossem deuses. Não haveria mais chefes sagrados, indiscutíveis, a quem o poder caia do céu ou era herdado, como se fossem pessoas predestinadas. Como podia isso ser! Um  príncipe herdeiro que participava,  um jovem moderno, viajado, que dominava línguas, saberes, tecnologias e não só (desconfiavasse que tinha outros valores), tomou a palavra para anunciar: "Não sucederei ao meu pai, não serei rei, a minha vontade vale tanto como a de todos os outros".  Agora, sim, tudo seria mais fácil, a democacia podia bater à porta e entrar.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A Catatua Verde

Fui, há poucos dias, ao teatro D. Maria II, ver a peça "A Catatua Verde", de um autor austríaco, Arnold Schnitzer, encenada por  Luís Miguel Cintra. O texto é muito  interessante e a representação atinge, quase durante todo o tempo, uma grande intensidade dramática. Tudo se passa, na noite da revolução francesa, quando mais ou menos alheios ao que se passa nas ruas, a vida decorre normal, numa taberna situada numa cave dos arredores de Paris. O dono, um antigo director de teatro, não serve apenas bebida, serve também teatro, há actores que incarnam ladrões,  prostitutas, homossexuais, bêbedos, pedintes..., para gozo de nobres e aristocratas que, deste modo, tomam contacto com uma realidade a anos luz das suas instaladas vidas. Mas claro, quando uns representam e outros tomam a ficção por realidade, são inevitáveis os equívocos, a certa altura, até os actores confundem os papéis; quando o duque é assassinado, ainda, não é por causa dos revolucionários e da revolução, é por causa da intriga, da traição e dos ciúmes, uma  combinação fatal, desde o princípio dos tempos. Mas deixe-se acreditar, aos  que assistem, que aquela morte é um acto revolucionário, ouve-se no final "viva a liberdade". Ficamos  a pensar no sentido de tudo isto, nos sentimentos humanos, nas glórias e também tragédias das revoluções.

terça-feira, 22 de março de 2011

"Todos nascem livres e iguais"

Ontem, celebrou-se o Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, na sequência do que se tinha passado, no dia 21 de Março de 1960, quando a polícia sul-africana atirou a matar sobre uma manifestação pacífica, em Sharpeville, protestando contra o Apartheid, nomeadamente contra as Leis de Passe que obrigavam os indivíduos negros a possuir um cartão com os locais onde lhe era autorizado circular. Morreram 69 pessoas e mais de 180 ficaram feridas.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ainda sobre o mal

Há muitas aproximações teóricas sobre o mal, vindas de vários campos do saber (religião, filosofia, psicologia...), seja como for, o mal, tal como o bem, é da natureza humana, e  é  muito ténue a fronteira entre a paz e a violência. A questão é então ter consciência que ninguém está imune, de que ninguém está acima,  por mais valores humanos que diga defender, por melhor educação que tenha... É preciso que todos se disponham a respeitar o outro, a reconhecer regras democráticas, tratados internacionais, etc., e não fazer disso letra morta, por uma qualquer pretença iluminação ideológica, religiosa, étnica, tribal, etc. Kadafi  disparou, matou, não podia ignorar que um dia iam cair bombas em Tripoli, mas claro  a guerra não é nenhuma solução, mesmo quando parece inevitável.

domingo, 20 de março de 2011

Ataque internacional na Líbia, contra a banalidade do mal

A banalidade do mal, expressão de Hannah Arendt,  é o estado em que o indivíduo, anulado, sem direitos, perde qualquer capacidade de reacção, já não reage às atrocidades, já não pensa no que lhe está a acontecer, como se a violência fosse a norma. As pessoas,  já não são pessoas,  com sentimentos, pensamentos, projectos...; mas são coisas, tratadas como coisas, instrumentos ao serviço do que seja, pode ser do despotismo mais feroz ou da barbárie mais sangrenta.  Quando caças franceses atacam posições de Kadafi, percebe-se a legitimidade. Injusto seria assistir ao extermínio do povo líbio, às mãos do seu chefe, sem nada fazer.