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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Encontro em Goreia



Goreia, ilha frente a Dakar, funcionou como entreposto de escravos, durante mais de três séculos. Daí, entre quinze a vinte milhões de escravos devem ter embarcado em barcos negreiros, com destino à América, ao Brasil ou às ilhas do Caribe. Destes, mais de 6 milhões morreram na travessia, tal as condições miseráveis em que eram transportados, nos porões, como gado.
Partiam, deixando, tudo, atrás. Até o próprio nome, eram já números quando embarcavam e números quando chegavam aos cafezais, aos campos de algodão ou às plantações de açúcar. Aí, passavam a usar nomes americanos, se iam para a América, portugueses, se iam para o Brasil, ou espanhóis, se iam para o Caribe.
Ao serem roubados do nome africano, muitos descendentes destes escravos negros não sabem de onde vieram, nem como procurar as suas raízes, mesmo que o queiram fazer.
No entanto, há uma identidade africana, profunda, que permanece, mesmo que silenciosa. Uma noção de pertença que sobrevive a muito, a quase tudo, a séculos de exploração e de afastamento.
“Estou aqui pela primeira vez, mas é como se estivesse cá estado desde sempre, sou de África”, diz a jovem americana, integrante de um grupo de música afro jazz que junta músicos de diferentes origens – americanos, africanos, europeus… - para, juntos, reinventarem, uma alma, um espírito, que não exclua raças nem culturas.
“Onde estarão as minhas raízes? Talvez, estejam nalgum destes países da costa ocidental africana. Talvez, a minha tetra avó ou, antes dela, outro antepassado meu, tenha chorado nesse cais ao vir-se despedir do filho, do marido ou de outro familiar próximo”. Abeira-se dela uma jovem que lhe fala como se a conhecesse desde sempre: “ Olá, também sou cantora, também canto jazz” (não se sabe se sim, se não, pode ser uma estratégia de aproximação), mas que afinal resulta.
- Ah, sim!
- Sou a Amina, não esqueças, Amina. Sou daqui, de Dakar. E tu?
- Sou de Nova Orleães, Estados Unidos.
- Vou cantar uma canção para ti. Queres ouvir?
A americana faz gestos de incredibilidade, não esperava aquela atitude.
- É bonita – diz, sorrindo!
- Canta também uma música para mim – pede-lhe a africana de Dakar.
- Não, nunca canto fora dos espetáculos, só no duche.
- Canta, também cantei para ti.
Tenta lembrar-se de alguma canção e canta uns versos.
- Bonita, vais cantá-la no teatro?
- Não, esta não a canto, hoje, à noite. Cantei-a só para ti.
- Acabamos de nos conhecer e quem sabe se não nos voltamos a ver algum dia. O mundo é um “panuelo”, muito pequeno, podemos encontrar-nos. Talvez vá para a América, cante num clube de jazz e até no teu grupo…  
- Quem sabe, quem sabe...
A africana de Nova Orleães não quer acreditar no que acaba de lhe acontecer. Quando lhe perguntam o que se passou, não consegue dizer nada. Não tem palavras, algo se passou no seu encontro com Amina que não pode expressar. Não sabe expressar; um não dito, a está marcando por dentro.

(a propósito de um documentário a que assisti)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

"O que será dos meus filhos", o filme

Emociono-me com frequência – sobretudo, com aspectos que têm a ver com a identidade profunda das pessoas, com sentimentos que não conseguimos explicar – mas não sou de chorar.  Nesse filme, contrariamente ao habitual, recordo ter chorado do princípio ao fim.
É um drama humano, no limite do suportável: uma mãe doente, cancerosa, muito religiosa (de resto, a paróquia é um apoio), que sabe que vai morrer muito proximamente e que procura um futuro para os filhos, que vê possível, entregando-os a famílias com possibilidades. Entrega um, dois, três, quatro…, mas há uma criança (ou talvez mais) deficiente que não é adoptada e acaba numa instituição.
Deixa com a filha mais velha as direcções de todos os irmãos, na esperança de que não se percam uns dos outros.  
Já na fase terminal, resiste a tomar uma certa medicação que lhe alivia as dores mas a torna inconsciente, alheada, incapaz de continuar a lutar pelos filhos.
Não recordo a figura nem o papel do marido, estaria ausente do filme, seria a senhora viúva?
Não sei, vi-o há muitos anos, e se o recordo hoje, é porque acabo de me cruzar com uma heroína semelhante à do filme, também em fase terminal, e que literalmente me reproduziu a frase: “o que será dos meus filhos”. Fico sem articular palavra, parece-me ouvir um coro de mães: “o que será dos meus filhos”. Haverá lá dor maior!

sábado, 21 de julho de 2012

Perda de direitos sociais

Há por todo o lado manifestações, depois de mais de trinta anos de avanço no estado de bem estar a Europa , sobretudo os países do sul, dá-se conta de que nada estava verdadeiramente adquirido, sustentado. Aí está a crise, os cortes, a austeridade, a desesperança, que é o pior de tudo, porque não se vê um fim à vista.  Ao contrário, a instabilidade é tanta que tudo parece um baralho de cartas prestes a desmoronar.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O regime de Damasco

É tal a forma como os ditadores vivem blindados que, a não ser que sejam traídos pelos seus, dificilmente caem. Bashar Al - Asad viu, ontem, cairem o ministro da defesa, um vicepresidente e outros altos quadros, num atentado suicida perpretado por alguém próximo.  Agora, já não há saída senão a violência generalizada, até à queda e fuga, senão for apanhado.  São tão míopes, estes senhores!

terça-feira, 10 de julho de 2012

Morsi, o novo presidente egípcio

Como já tinha acontecido na Tunísia, uma organização/partido islâmica ganha o poder  em eleições  que contaram com observadores internacionais. 
Pergunto-me: como pode o povo, que tanto sofreu e lutou para pôr fim a a trinta anos de ditadura militar, votar e optar por um fundamentalista religioso.
É certo que Morsi saiu da organização da Irmandade Muçulmana, que diz ser presidente de todos os egípcios e respeitar a constituição, os acordos internacionais e os direitos humanos. Alguns vêem-no como um moderado. Não sei, desconfio sempre quando a religião se imiscui ou confunde com a política.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Alegoria da Caverna , recordada aos politicos

Apetece fazer uma versão anotada deste texto de Platão (Livro VI da Republica) e enviá-la a quem manda na educação, para ver se percebem o essencial. Se percebem que o saber é, sobretudo, o que descobrimos, o que pensamos e o que construímos com os outros (o construtivismo contemporâneo é devedor de séculos de escola e de relação educativa) e que, para tal, é preciso condições a diferentes níveis.
Dentro da caverna, os indivíduos, habituados a ver as sombras reflectidas na parede, tomam-nas pela realidade, aliás, para eles, são a realidade; quando saem para a luz e finalmente vêem os objectos reais, julgam que são mentira e que a verdade está nas sombras. Este caminhar da ignorância para o conhecimento corresponde ao projecto educativo de todo o ser humano e de todas as sociedades. Leva tempo, tem custos.
Não vou continuar a história…, até porque as sombras não são as mesmas, mas a saída é a mesma, só o conhecimento, a discussão crítica e a justiça (que eu coloco em vez do Bem) podem iluminar o caminho sobre a educação que temos e queremos ter.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

somos habitantes de relações e de mundos

A relação do ser humano com a vida é sempre de “morada”, de sentir-se em casa, familiarizado, confortável…
É por isso que criamos sentidos, através da ciência, da técnica, da economia, da política, da religião... As pessoas inovam, imaginam, inventam, constroem, reconstroem, projectam, fazem.  Constroem culturas.