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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

"Se calhar, a esta hora, o meu filho já não está vivo"

Hoje, ao passar por Castelo Branco, veio-me à memória uma situação que presenciei, nessa cidade, há muitos anos atrás, e que recorrentemente me habita. Era uma jovem mãe,sentada num muro, ao cimo de umas escadas altas, no fundo da garagem, longe de todos os outros passageiros que como ela aguardavam a hora da camioneta. Estava longe, mas mesmo assim, via-se que chorava. Limpava os olhos, ora com um lenço, ora com os dedos das mãos. Estava absolutamente em sofrimento, disso não havia qualquer dúvida, mas, talvez por ela própria não ter dado margem, ninguém se aproximou.
Quando chegou a hora do autocarro, entrou, sentou-se num dos últimos lugares e colocou a cabeça sobre o colo segura com ambas as mãos. Evitou falar, foi certo, mas sempre se chega ao limite, todos temos um, e o dela estava por um fio. Numa paragem da camioneta,já a meio da viagem, disse-me, olhando para o relógio "são 5 da tarde, se calhar a esta hora o meu filho já não está vivo. Se calhar, chego a casa e tenho a notícia de que ele já morreu".
O filho, de cinco meses, agonizava no hospital da cidade, enquanto ela, sem qualquer recurso, devastada, ia para casa tomar conta do outro filho, de três anos, que ficara com a avó. "Amanhã volto na camioneta da manhã, mas se calhar o meu menino já não está vivo", soltou um grito, baixou de novo a cabeça e nunca mais voltou a dizer nada. Por essa altura, não havia telemóveis, nem quase carros particulares, nem dinheiro para alugar um táxi ou um quarto na cidade..., não havia para ela a possibilidade de ficar com o filho. Sobrava a dor, uma dor imensa, indiscritível, de que só as mães que perdem filhos podem falar. Havia uma perda irreparável para a sua vida, sabia-o bem. Hoje, talvez essa mãe não tivesse de deixar o filho sozinho, mas a dor da perda seria a mesma, não mudou. Não muda nunca. Nada do que é essencial, nada do que nos torna felizes, redime ou consome as entranhas, muda. Sofre-se da mesma maneira, em todos os tempos e em todos os lugares.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Prémio Nobel da Paz

A atribuição do prémio Nobel a um cidadão chinês, encarcerado injustamente, pese embora o véu de legalidade que o governo exibe, fez já o seu caminho. Sabemos todos quem são uns e outros, qual é o preço da liberdade e o que se paga por não alienar a consciência.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ciganos (3)

Às vezes pergunto-me: será possível que alguém imagine possível um país, uma Europa, "puro", asséptico, homogéneo? Ninguém imagina. Aliás, o discurso político corrente é o de louvar a diversidade, a integração..., mas lá vem a prática mostrar o contrário, mesmo que as expulsões ocorram debaixo de um pano de legalidade: são expulsos por estarem ilegais no país.
A política tem de ser capaz de criar condições para resolver os problemas sociais, tomar medidas legislativas e outras para que os ciganos, sejam romenos, búlgaros ou de outra nacionalidade, tenham um chão, uma casa, um emprego, preservando o essencial da própria cultura. Temo que este tema ainda vá dar muito que falar. Bruxelas já se fez ouvir, Paris retorquiu, e os ciganos continuam a ser expulsos de França, Itália e sabe-se mais de onde no futuro.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A educação para os direitos humanos

A educação para os direitos humanos, ao fundar-se no reconhecimento e na protecção dos valores da pessoa humana, antes de outras crenças ou ideologias, justifica a sua profundidade, abrangência, importância e necessidade.
- Profundidade, porque se estabelece como um sistema de valores universais, em referência aos quais as pessoas e os Estados sabem como podem (e devem) pautar e avaliar as suas acções. Nesta medida, os direitos humanos são regras para o viver em comum, à escala mundial, capazes de transformar o futuro da humanidade.
- Abrangência, porque engloba a educação cívica, a educação para a igualdade, para a diversidade, para a tolerância, para a paz, para o desenvolvimento sustentado, etc. – domínios em que os valores humanos estão necessariamente presentes.
- Importância, porque os cidadãos com consciência dos seus direitos sabem quem os deve garantir e o que devem fazer para que isso aconteça. Esta aprendizagem não pode deixar de ser considerada, pelo menos, tão importante como qualquer outra.
- Necessidade, porque não é fácil, quando assistimos, diariamente, a contínuas discriminações, intolerâncias e injustiças, aceitar a igualdade em “dignidade e direitos”, de todos os seres humanos. Fácil, é a descrença e a fuga para o individualismo.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Vida, frágil equilíbrio

Há muito tempo que não a via. Combinámos um café, numa quinta-feira, às três da tarde. "Não estou bem, disse-me. Vivo sempre enfronhada no interior de mim mesma como se não fosse possível abrir janelas e deixar entrar a luz do quotidiano, embora seja rotina, decadência e repetição. Questiono-me, até ao âmago, sobre questões absolutamente supérfluas e embrenhadas que não servem para nada, nada mesmo, e me trazem, em vez de serenidade, agitação, angústia e, às vezes, até raiva, raiva de um mundo que cada vez mais de se separa do essencial.
Por que não fico parada, ausente, ouvindo uma música, contemplando um quadro, lendo um livro, deixando-me levar pelos sentidos, criando sentimentos, explorando emoções, sem necessidade de qualquer justificação, de qualquer organização racional, entregue ao sentir, ao que invade e toca a minha sensibilidade? Por que vivo sempre procurando formas, enquadramentos, limites, dimensões? Não lido bem com a desproporção, o sem limite, o não controlável, sempre estou criando balizas, tapando frestas, evitando pontos de fuga, rupturas".

Enquanto a oiço, penso: viver é tarefa para equilibristas, para equilibrar o caos e a ordem, o amor e o ódio, os deuses e os demónios, o ter e o perder, o riso e o choro...; viver é fragilidade e permanente contingência.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A vida no campo de refugiados

A noite cai sobre o campo. Será uma noite igual a tantas outras, a uma infinidade de noites, num tempo e num inferno que parecem não acabar nunca. Os perigos espreitam lá fora, mesmo se falamos dos soldados que fazem a ronda, é que muitos usam uma farda e ao mesmo tempo cometem crimes, abusando de jovens crianças, recrutando meninos para tráfico, roubando parcos haveres. A vida, que não é vida, decorre no limite do possível, fora do imaginável. É o inferno, presente em toda a sua extensão. Amanhã, e quantas manhãs ainda, será mais um dia igual a todos os outros, um dia de sobrevivência.

sábado, 11 de setembro de 2010

A violência de sempre

Hoje, à nossa memória, retornam imagens de medo, terror, desconcerto, impossibilidade...
A violência é tão velha como o homem, mesmo a violência organizada. "Esta bala é antiga", diz Jorge Luís Borges, no texto In memoriam de J. F. K., do livro "O Fazedor". É isso, mesmo que mude o material com que ela é construída. É a mesma maldade, a mesma vingança, a mesma prepotência, o mesmo egoísmo. Temos aprendido tão pouco!

(Releio continuamente Borges, ou melhor, leio-o infinitamente. Pudera eu compreender tudo o que dito, e não dito, numa página de Borges)!