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sábado, 21 de novembro de 2009

Quero ouvir o que tens para me contar

Se eu pudesse acabava com todos os"...ismos" – humanismo, etnocentrismo, multiculturalismo…. – que têm servido para falar dos homens e das suas vidas como entidades abstractas, e não porque não me interessem as grandes construções teóricas, mas porque verificamos, a cada dia, que a maior parte serve para muito pouco. Passava a falar de ti, de mim, de nós, aqui, agora, num contexto marcado por condicionalismos que nenhuma teoria pode explicar, por ser algo de novo, de diferente, de renovado, como corresponde à essência do humano: a individualidade absoluta, a não repetição. Passava muito mais tempo à procura de histórias verdadeiras, a ouvir o Sasha, o Mamadou, a Shaila, o Xiang, a Joana…, para ver se percebia melhor o que é viver bem uns com os outros.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"A razão cordial", para uma cidadania do Séc. XXI

Muitas vezes ouvimos dizer: “não sou daqui, isso não me diz nada, não tem a ver comigo, não me toca…”. Participar é, de facto, mais do que fazer parte, é pertencer: “ser daí, sentir-se apelado, identificado, tocado…”
Há no viver em comum uma dimensão ao nível dos sentimentos, que ultrapassa em muito a argumentação racional e o cumprimento de direitos e deveres. Adela Cortina (filósofa espanhola) fala de uma cidadania fundada na razão cordial – em que a virtude da prudência é substituída pela virtude da cordura (termo espanhol para o qual parece não haver uma boa tradução em português) – que integra “inteligência, sentimento e coragem”, ou seja, no viver com os outros é importante a capacidade de argumentar segundo regras, de nos reconhecermos uns aos outros como interlocutores válidos, mas também a capacidade de estimar valores, de entrar em sintonia, de compadecer-se e de se envolver. Quem não tem a capacidade da estima e da compaixão é incapaz de descobrir as injustiças e de sentir em relação aos outros aquelas necessidades que só a gratuidade pode assegurar.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Esfaqueadas, mortas

Há poucos dias, mais uma vez, duas mulheres são mortas no quarto andar de um prédio, numa urbanização da linha de Sintra, não recordo exactamente o local. O indivíduo que as matou suicidou-se em seguida, deixando a porta de casa entreaberta para que alguém, eventualmente, se apercebesse da tragédia ali ocorrida. Coisa tremenda, mas infelizmente não encerra nada de insólito, já vimos outros casos no passado e veremos outros no futuro, é que para a violência doméstica terminar não chega existirem leis, é necessário existir sensibilidade, proximidade, vizinhança e compromisso de denúncia e de acção, é uma questão de cidadania e não apenas daquelas pessoas. Quando se questionam os moradores do prédio, ninguém ouviu, ninguém viu, ninguém desconfiou..., "dizem que ela tinha 23 anos, que vivia com este senhor há três meses, que a relação não estava bem, que veio cá a casa com uma amiga, e aconteceu isto".

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aung San Suu Kyi

Quem não conhece a história, ao olhar a casa, o lago, as árvores, dirá que o cenário é de sonho. Não é, como sabemos bem. Naquela casa, em prisão domiciliária, a líder da oposição birmaneza, Suu Kyi, 64 anos, Prémio Nobel da Paz, em 1991, passou 14 dos últimos 20 anos. Não cometeu nenhum crime, não agrediu, não falsificou, não matou..., está presa, apenas, porque acredita na democracia, nas liberdades e se preocupa com o seu povo, como já antes o seu pai fizera. Deixou Londres, em 1988, onde vivia, para assistir ao funeral da mãe. Embrenha-se na política, concorre às eleições de 1990, ganha-as, mas não governará, em vez disso, é perseguida e colocada em prisão domiciliária, por ordens de uma Junta Militar que governa o país.
Nas últimas aparições públicas (em Maio de 2009, julgo, altura em que devia ser posta em liberdade e é de novo acusada e presa, por ter recebido um americado que, a nado, atravessou o lago e entrou em sua casa), parecia, fisicamente, muito fragilizada. Já não tinha flores a enfeitar os seus cabelos, já não tinha o sorriso aberto de antes, mas o olhar continua com a intensidade de sempre, a iluminar o caminho àqueles que acreditam e lutam pela dignidade de todos os seres humanos.

domingo, 15 de novembro de 2009

Alterações climáticas

Em muitos países africanos - Sudão, Quénia, Moçambique e tantos outros - já não chegava a pobreza crónica, a situação de subdesenvolvimento de que não se vê fim à vista, agora, são também, e cada vez mais, os extensos períodos de seca, matando o gado e a produção de alimentos, seguidos de destruidoras intempéries, chuvas torrenciais, que levam tudo, aumentando a miséria e, pior ainda, o desalento. Parece que os deuses e os homens (os que mandam e podem) se juntaram para assistir, apenas, sem nada fazerem de significativo. Um dia destes, é tarde de mais.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Berlim, vinte anos depois

Tinha a intenção de ir a Berlim por altura das comemorações que assinalaram, no início desta semana, a queda do muro de Berlim, mas não foi possível. Para mim, foi, talvez, a seguir ao 25 de Abril, o acontecimento que vivi com maior entusiasmo. Nesses dias, todos estávamos em Berlim Leste e, nessa noite, todos atravessámos os postos fronteiriços para abraçar fosse quem fosse. Foi algo tão extraordinário que ainda hoje guardo, com nitidez, imagens das manifestações, das filas de gente, da alegria incontida no rosto das pessoas... (recordo, sobretudo, reportagens da TVE).
Era o fim de uma tragédia que durou décadas e humilhou milhões de pessoas. O futuro, por mais incerto e difícil que pudesse parecer, era já uma esperança. A queda do muro e do sistema que o sustentava são prova de que há, sempre, nas pessoas e nos povos, por piores que sejam as circunstâncias, capacidade de agir e de renascer.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Escravatura, tráfico humano

Sei que naquela casa há pessoas presas, a quem tiraram o passaporte, a quem proibiram de andar livremente pela cidade, a quem obrigam a prostituir-se. Pessoas a quem maltratam, espezinham, humilham e ameaçam o tempo todo. Porta fechada, telefone bloqueado, e um porteiro musculado e de olhos aterradores, qual feitor ou capitão do mato, vigiando e punindo.
Vivem com o pesadelo da noite – álcool, sexo, drogas, violência, doenças – e o medo de chantagens sem fim sobre elas mesmas, os filhos e outros familiares que ficaram lá longe e vivem na esperança de uma vida melhor, com a ajuda de uns euros que a mãe ou a filha ganhará honradamente. Acreditam nisso, porque era nisso que elas acreditavam, sem poderem sequer imaginar o pesadelo.
Mas há quem levante a cabeça e ouse enfrentar o "senhor": - Não sai da minha terra para isto! Todos me enganaram! Todos! Malditos! Onde começa e acaba a rede? Onde?
- Cala a boca sua …, nem mais uma palavra. Posso fazer de ti o que quiser, sou eu que mando. Ouviste bem? Não te fui buscar à toa. Tens de ganhar para pagar tudo o que me deves e ainda mais.
- Você não é o meu dono, não vai destruir-me, não serei nunca sua escrava. Um dia, vou deixar esta vida. Um dia, vou denunciá-lo, irei à polícia e contarei tudo. Tudo, ouviu bem?
- É o teu fim e o dos seus filhos, não vai ficar nenhum para amostra. Atreve-te!
- Os meus filhos, não! A minha família, não! Não! Não! Não! Até onde vou aguentar?
Ela e todas as outras só poderão sair com ajuda. Quem as poderá ajudar? Quem está disposto a fazê-lo? Vem-me à memória aquela frase de Luther King "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons".