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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Fidel, o retrato pelo próprio

Vi no início do passado mês de Agosto, na televisão espanhola, um documentário, que apanhei já a meio, sobre Fidel Castro. O repórter fala inglês, não cheguei a perceber qual a nacionalidade, e há uma tradutora. Estão num restaurante a almoçar. Enquanto isso, falam de eleições. - Deviam fazer um estudo sobre o sistema eleitoral cubano, há representatividade, são os vecinos que elegem os seus representantes – explica o velho ditador. Só pode ser ironia, penso.
Fidel parece muito fragilizado, come e fala com alguma dificuldade, precisa de ajuda para entrar no carro. Ainda assim, está impecavelmente vestido de comandante.
Perguntam-lhe pelo estado civil e pelas mulheres que amou. Não sabe muito bem explicar: - Só casei uma vez, mas não foi uma vida sem amor, diz. Referem-lhe uma das mulheres com quem viveu, dizendo-lhe o quanto foi extraordinária. Confirma: - Foi uma mulher extraordinária, uma grande mulher, não vou falar dela, nunca falei. Perguntam-lhe: - Nem daquelas com quem teve filhos? - Não, nunca falei, por respeito a elas". Falam-lhe de uma outra senhora, ele não a identifica, só quando lhe referem o apelido, se recorda, e de outra ainda, mas ele nada diz. Por que têm os revolucionários comunistas tamanha reserva de intimidade? Por que não amam às claras?
- E os filhos? Poucas ou nenhumas fotografias há, dizem-lhe. Responde que sempre os recorda, mesmo que estejam longe e não os veja por longos períodos, também não parece um assunto cómodo. Numa imagem televisiva antiga, aparece um filho, ainda criança, com um cãozinho ao colo, sentado a seu lado, Fidel fala com ele com imensa ternura.
- E o Che Guevara? Fala do encontro no México, da revolução, da saída de Cuba, da ida para a Bolívia, da morte. Ouve-se a despedida do Che Guevara, pela voz do próprio. É um hino revolucionário, uma crença desmesurada na ideologia. Eu, mesmo sabendo da violência e da morte que semearam as revoluções, ao ouvir o Che, sinto-me, por instantes, revolucionária, há neste acontecer algo que transcende tudo. Não se explica.
A conversa continua: - As autoridades de Moscovo não lhe pediram para se livrar do Che? - Não, sabiam que não valia a pena, nunca o faria, tal como com Raul.
- Não há negros no governo? - A revolução a quem mais beneficiou foi aos negros, há negros, diz. - O que pensa do futuro do mundo? - O mundo está a ficar ingovernável, responde, tecendo considerações. Fazem-lhe perguntas incómodas, mas nunca são levadas até ao fim. Fidel responde o que quer, como quer, sem mais perguntas.
Termina a reportagem no gabinete, querem despedir-se, mas ele diz que vai ao aeroporto: - É a única maneira de saber que partem, ironiza. Todos sorriem. É estranho ver aquela quase informalidade no trato, por parte de Fidel.
Lá está, no aeroporto. Despede-se do repórter, de outras pessoas e por fim do câmara, este não está à espera e fica desconcertado. Fidel dá-lhe um abraço, diz-lhe qualquer coisa e todos riem. Parece um homem com humor.
Depois de tantos anos, dou por mim a olhá-lo com outros olhos. Mas a história não se reescreve e os longos anos da ditadura cubana também não, a falta de liberdades e a pobreza continuam. Não tenho outra opção senão voltar a olhá-lo com os olhos de sempre.

(Nota: Não sei quando foi feita a reportagem, com toda a certeza pouco tempo antes de Fidel transferir o mando para o irmão Raul).

terça-feira, 22 de julho de 2008

Finalmente, preso

Ontem, prenderam o criminoso de guerra, Karadzic, há 13 anos fugido à justiça internacional do Tribunal de Haia. É muito tempo, demasiado, sobrevivendo com cumplicidades, disfarces e artimanhas. Choca pensar que só agora , quando a Sérvia está interessada em aderir à União Europeia, comece a preocupar-se com este e outros criminosos, a prendê-los e a entregá-los; é perturbador que este senhor, um médico psiquiatra , tenha exterminado milhares de pessoas, seria de supor que alguma coisa soubesse sobre a psicologia e a alma humana, mas não, foi capaz das maiores atrocidades; o que pensarão agora as pessoas a quem este homem, disfarçado de médico de medicina alternativa, tratava numa clínica de Belgrado? Acreditam? Acham impossível? Estão horrorizadas? É medonha a mente dos assassinos. Têm de ser medonhos os olhos deste sujeito. Espera-se que possa finalmente ser julgado, que não aconteça o que aconteceu com o Milosevic.

sábado, 19 de julho de 2008

Mandela, sempre

Mandela é mais que o homem, o político, o defensor dos direitos humanos, o pai, o marido, o avô, o amigo, é um daqueles símbolos que aparecem de vez em quando, só muito de vez em quando, para apontar o caminho aos outros seres humanos.
Os olhos de Mandela são já o infinito, como se a luz e o brilho que deles irradiam não desaparecessem nunca. Não desaparecerão, acreditamos. Precisamos dessa luz. Noventa anos de sabedoria, parabéns Mandela.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Responsável por genocídio, prova-se

Ou muito me engano ou o ditador número um do mundo, Omar al-Bashir, do Sudão, está preocupado com a pele, senão para quê tantas manifestações ensaiadas, em Cartum, de mulheres e de homens (tive a sensação de que se manifestam em separado, será?) a dar vivas ao ditador. A acusação de crimes contra a humanidade é para levar a sério e ele sabe disso, o TPI não se amedronta com manifestações ou pressões, mas ainda assim, temos de ver o que vai fazer a China a quem o ditador já pediu ajuda, se este país vetar a acusação no Conselho de Segurança da ONU, é um revés para o povo do Darfur e para os direitos humanos no mundo.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A violência na Quinta da Fonte

Porventura, poucas coisas há tão complexas e tão "inevitáveis" como a violência, tenha lá a forma e a intensidade que tiver. É como se estivéssemos condenados a isto. Sempre foi assim , e assim será. Triste destino o nosso.
Mas para quê tanto pessimismo - pensarão alguns - quando somos capazes de tanta coisa boa, de explorar o espaço, de avançar desmesuradamente na ciência e na técnica, de pintar maravilhosos quadros, de escrever livros, construir monumentos, etc. Na verdade, somos capazes disto tudo e também do resto, duma agressividade animalesca sempre presente em nós, que não dorme, a qual devemos paciente e permanentemente controlar. Não é qualquer coisa que só os outros têm. Não se trata de uma questão étnica, social, cultural, mesmo que estes e outros aspectos possam comportar elementos potenciadores da violência. Todos somos violentos, todos nos devemos auto-vigiar, e mesmo assim não é seguro que não sejamos os primeiros a atirar pedras.

sábado, 12 de julho de 2008

Para quê tanta burocracia

Aparentemente, pareceria, nesta era da Internet, que a burocracia teria os dias contados. Qual quê! Continua, implacável, com os zelotas de sempre. A burocracia é das coisas que mais me desorienta, e mais um documento, e mais uma declaração, e mais um fax, e mais isto e mais aquilo, para nada, apenas e só para complicar. Aquele argumento de que são os papéis que salvaguardam os nossos procedimentos, até pode ser válido, mas o que se perde em energias, em tempo, em dinheiro, é demasiado. Às vezes, apetece desistir.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Índios brasileiros

Há uma semana atrás dois representantes de um povo índio foram recebidos por deputados da Assembleia da República portuguesa. Têm uma história e querem contá-la. Têm uma luta e precisam de ajuda. Não impressiona o seu ar diferente, as penas na cabeça, impressiona sobretudo o que sentem e o que dizem. Falam de dignidade, de direitos e de respeito por um povo e uma terra que lhes pertence. Sempre, pertenceu. Antes, ninguém invadia as suas terras, incomodava as suas caçadas, destruía as suas florestas, poluía os seus rios, mandava nas suas vidas. Agora tudo mudou. Alguém destruiu o que era deles, sem pedir ordem, sem pedir licença, sem consideração. Alguém invadiu e roubou os seus haveres. Isto é maldade, mesmo que tenha por base uma decisão política. A política não se faz contra as pessoas e os povos, mas com eles.
Os índios não querem donos, nem patrões, nem homens brancos, que apareçam a ensinar tudo e nada queiram aprender em troca.