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domingo, 24 de julho de 2011

Terror na Noruega

O 1º ministro norueguês fez um discurso emotivo: "vamos cuidar uns dos outros, vamos chorar juntos, vamos reagir unidos", como se a desgraça fosse de todos, e, de algo modo, assim é. Ao mesmo tempo, que se mantêm firme nos princípios: "quero dizer a quem fez isto que a democracia vencerá". Percebe-se a incredibilidade, o não acreditar no que está a frente de todos, a vulnerabilidade das sociedades actuais é enorme, num dia, numa hora qualquer, rebenta uma bomba, um louco fanático mata dezenas e dezenas de jovens, quase crianças. O pior foi quando se constactou  que afinal não se tratava do terrorismo islamico, mas de um cidadão norueguês, católico, igualmente com ideias fundamentalistas. O fanatismo, os seus actos e as suas consequências são desgraçadamente iguais.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Reciclar

Vejo-o passar com um caixote cheio de garrafas de vidro, presas com esticadores ao estrado da bicicleta.  Tem quase setenta anos. Vai levá-las, como fazem muitos outros, mais novos e mais velhos, ao contentor  respectivo para posterior reciclagem. É uma imagem que me vem intrigando, como é que a separação do lixo parece ser um sucesso nesta aldeia do interior, com gente tão idosa a aderir? Talvez não o façam  pelas mesmas razões das pessoas da cidade ou dos mais novos, não sei se têm a consciência clara do que é reciclar, mas sei que a ideia de  transformar, do velho fazer novo, de poupar,  é algo que viveram na infância e juventude, quando os tempos eram difíceis e não havia abundância de nada. A simples ideia de servir para outra coisa, é suficiente para aderirem à reciclagem, parece-me a mim. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O índio sábio

Hoje encontrei um índio. Estava vestido como o do postal, mas não era um homem de postal. Tinha uma história e quis contá-la. Alguns pararam para o ouvir e eu também parei.
Não me impressionou o seu ar diferente, a sua roupa estranha, as suas penas na cabeça, impressionou-me o que disse, porque parecia um homem sábio. Não quis falar dele mas do seu povo, não quis falar das suas coisas mas da terra de onde vinha e dizia que pertencia a todos.
Falou do passado e disse-nos que há muitos, muitos anos, mesmo muitos, todos eram irmãos nós e eles, ninguém queria as suas terras, ninguém incomodava as suas caçadas, ninguém corria atrás das suas vidas. Estavam juntos, viviam lado a lado respeitando a natureza, as árvores, os rios as montanhas e as florestas.
Alguém destruiu o que era deles, sem pedir ordem, sem pedir licença, sem consideração. Alguém invadiu e roubou os seus haveres. Isso é maldade.
Os índios não querem donos, nem patrões, nem homens brancos que apareçam a ensinar tudo e nada queiram aprender em troca, é que os índios têm muito que ensinar-nos.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Órfã, muitas vezes

Estava sentada, bem lá no fundo do pátio, sozinha, como se quisesse entrar no interior de si mesma e perscrutar, até ao limite, o inferno que a consumia, em vez de o afastar, distraindo-se, concentrando-se noutra coisa,. Inferno que a consumia, sim, que ninguém pode viver, por muito tempo, com tamanha mágoa, sem cair num poço sem fundo, num abismo existencial.
Como a mãe lhe fazia falta! Nunca podia ter imaginado o quanto! Se não fosse a avó, não aguentaria. Ter treze anos e ficar sem mãe, quando já não se tem ou não se sabe quem é o pai, é ficar órfã muitas vezes, numa deriva que não sabia até onde poderia ir. A mãe era a luz, o colo, o porto seguro..., agora, tudo ruíra, o seu mundo ruíra, como não julgava possível acontecer.
Era-lhe insuportável estar com as outras pessoas, falar, conversar..., quase se esquecera que lá fora o mundo continuava, tudo continuava, tinha de fazer o luto, sabia-o, pois não poderia viver por muito mais tempo encerrada numa dor e numa solidão que não a conduziriam a lado nenhum. 
- Quem é o meu pai?- pensava e perguntava, continuamente.
- O teu pai morreu - ouviu muitas vezes a mãe dizer-lhe.
- Mas quem é? Podes dizer-me quem é, devo ter outros irmãos, outra família, só metade de mim parece existir, uma nuvem de silêncio se espalha sobre tudo o que tenha a ver com o meu pai, e isso sempre me entristeceu.
- O teu pai já morreu - dizem-lhe também a avó e os tios.
- Mas se morreu, porque não dizem quem foi! Não é por isso que deixa de ser meu pai!
Nunca precisara dele como agora, mas como poderia encontrá-lo sem ajuda?
- Talvez, a minha mãe dissesse a verdade e ele esteja morto ou talvez ande por aí e o destino um dia nos una, aliás, já vive em mim, fantasiado ou real, não sei. E bonito o meu pai, elegante, boa pessoa.... Talvez, seja de Maputo ou de outra cidade e a a minha mãe se tenha  perdido dele mesmo antes de eu nascer, talvez seja de uma vila à beira da estrada. Talvez seja ...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Criança afegã armadilhada

Há dois dias,  uma criança de oito anos morreu, quando os assassinos - extremistas talibãs - que a armadilharam, a fizeram explodir por controlo à distancia. Estava destinada a fazer explodir uma esquadra de polícia, mas por erro de cálculo não chegou lá. Haverá alguma coisa mais terrível do que armadilhar crianças, usando-as para cometer actos terroristas? Na semana  passada, outra criança tinha sido armadilhada para matar pessoas num mercado da cidade, foi felizmente desarmadilhada a tempo, evitando-se a explosão, mas não o medo que vimos nos seus olhos. Actos como estes mostram bem até onde pode ir a maldade humana.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

(Des)medida

"Dizem os sábios que um dia vos apagareis" - gritou o pirilampo às estrelas.
As estrelas não responderam.
                                                                                                     (Tagore)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Todos lhe querem bem

-  Artur está connosco há catorze anos, para mim é como um pai, vejo-o como um pai. Quando  ficou connosco  estava sozinho no mundo, não tinha ninguém, andava sempre "borrachinho", fumava e bebia, fumava e bebia, quase não falava, ainda agora quase não fala... Começou  a ficar magrinho, cansado, quase sem se poder arrastar, disse para a minha irmã: o Artur tem algum mal ruim. Foi ao médico, mandaram-no fazer exames, e o que se temia confirmou-se: cancro nos pulmões. A doença dele está a dar cabo de mim, não aguento, até o meu marido, quando lhe disse do Artur, chorou, estou casada há dezasseis anos e nunca o tinha visto chorar. Sabe, Artur é especial, deixa-se querer, como hei-de explicar isto..., é bom, todos lhe querem bem, já disse aos meus filhos pequenos: não arreliem o Artur que ele está muito doentinho. Trato-o o melhor que posso, vou fazer tudo o que puder por ele.

E fez, mas Artur não sobreviveu. Morreu dois meses depois.  Será que alguma vez soube o quanto era amado por esta família de feirantes, que ganhava  a vida de feira em feira, explorando  o negócio de uma pista de carros eléctricos? 

(Sobre um documentário passado na RTP2)