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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Desenvolvimento

(Um comentário ...)

É sábia a história da galinha. Mostra bem o que acontece quando as escolhas são erradas. Um dos aspectos mais importantes do desenvolvimento é o planeamento a curto, médio e longo prazo - definir objectivos, diversificar as actividades e proteger os mercados, não se pode produzir para a seguir não se conseguir vender.
Um desenvolvimento sem graves impactos ambientais, que produza tendo em conta os recursos e as condições naturais e também as necessidades das populações, por exemplo, se a base da alimentação é o milho, porque é que se vai apenas plantar café . Um desenvolvimento progressivo, sem saltos, não serve de nada montar a fábrica mais moderna do mundo, equipá-la com alta tecnologia e depois não haver técnicos especializados para operarem as máquinas ou reparar a mínima avaria. Tudo tem de estar em equilíbrio – conhecimentos, ciência, técnica e formação das pessoas.

sábado, 9 de abril de 2011

Uma história sobre o desenvolvimento

(A propósito do questionável modelo de desenvolvimento, a  história da galinha vermelha, que recolhi dum livro da UNiCEF e reescrevi)

A galinha vermelha vivia numa quinta, onde comia o que encontrava. Um dia, encontrou um grão de trigo e pensou que o melhor era semeá-lo para poder ter muitos grãos para comer. Resolveu, então, pedir ajuda a outros animais:
- Quem me ajuda a plantar este grão de trigo? – perguntou ela.
- Eu não – disse o pato – mas vendo-te alguns grãos de café, para tu plantares em vez do trigo e, assim, poderes ganhar muito dinheiro.
- Eu não – disse o porco – mas compro-te o café, quando tu o colheres.
- Eu não – disse o rato – mas empresto-te o dinheiro para comprares as sementes de café.
Convencida pelos outros animais, a galinha vermelha resolveu plantar café em vez de trigo.
- Quem me ajuda a plantar o café? – pergunta ela.
- Eu não - disse o pato - mas vendo-te o adubo para ele crescer forte e produzir bem.
- Eu não - disse o porco - mas vendo-te os insecticidas, para ele não ter doenças e crescer forte e bem.
- Eu não - disse o rato – mas empresto-te o dinheiro, para comprares o adubo e os insecticidas.
A galinha trabalhou muito. Sem ajudas, plantou, adubou e pulverizou. Tinha gasto muito dinheiro, mas estava feliz porque pensava que iria ganhar uma fortuna com a venda do café que iria colher.
- Quem me ajuda a vender o café? – pergunta ela.
- Eu não - disse o pato - mas tu tens necessidade da minha fábrica para o torrares e para o embalares.
- Eu não – disse o porco – toda a gente está a produzir café e os preços estão muito baixos.
- Eu não - disse o rato - mas neste momento, tens que pagar o que me deves.
Só nesta altura, a galinha vermelha viu que tinha cometido um grave erro ao decidir plantar café em vez do trigo. Tinha ficado cheia de dívidas e sem nada para comer.
- Quem me dá qualquer coisa para comer? – perguntou ela.
- Eu não - disse o pato - porque não tens dinheiro para pagar.
- Eu não - disse o porco – porque todos plantaram café e já não há muita coisa para comer.
- Eu não – disse o rato – mas vou ficar com a tua terra em lugar do dinheiro que me deves e não me consegues pagar. Fico com a tua terra, mas podes viver nela se trabalhares para mim.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O povo cigano

Hoje, é o dia internacional dos ciganos. A Amnistia Internacional inaugura uma exposição e organiza uma tertúlia para  dar visibilidade a uma minoria que tem há muitos séculos permanecido numa espécie de  margem. Os ciganos portugueses, entre quarenta a cinquenta mil, não se sabe ao certo quantos são, vivem espalhados por todo o pais. Mas talvez seja o Alentejo a região  com maior número de comunidades ciganas, muitas delas em grande desintegração social.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Centenas de mortos, em Abidjan

Parece, finalmente, à beira do fim a crise na Costa do Marfim, mas a que custo, pensamos todos! Desde Novembro que o presidente eleito pelo povo, em eleições reconhecidas pela comunidade internacional, não pode governar. O ex presidente perdeu, mas não aceita o facto, fez tudo (e continua a fazer, tem essa ilusão) para se manter no poder. Mesmo agora, quando todos os seus lacaios já o abandonaram, resiste no bunker da sua residência. Que cegueira é o poder! Como irá acabar tudo isto?  Ainda não sabemos.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Reinserção (ou talvez não)

- Para a “bófia” todos aqui são drogados e ladrões.
- E não são, pois não?
- Claro que não. Há “bué” de gente que trabalha e putos que andam na escola.
- E tu andas?
- Não. Já andei, mas não gostava, não sabia nada, era perder tempo. Quando os “cotas” foram dentro nunca mais voltei à escola.
- Os teus pais estão presos?
- Estão, há “bué” de tempo....
Faz silêncio e olha-me intensamente, não sei se com raiva se com súplica, como se eu tivesse alguma coisa a ver com tudo o que lhe estava a acontecer e pudesse ajudá-lo.
- O que é que tem, estarem presos? – Pergunta-me, zangado.
- Eu não disse nada. Esperavas que eu tivesse feito algum comentário?
- Andavam a vender (droga), andavam, e depois? O que é que tem? Também já vendi, agora não vendo, não vou vender mais.
- Costumas ir à Associação?
- Não vou, é tudo mentira. Mentem-me, mentiram-me sempre.
- Não acreditas neles?
- Prometeram comida, trabalho e “cenas” dessas e nada,  muitas vezes passo fome, tenho que roubar, percebe, tenho de roubar, roubar percebe, veja se percebe....
- E tu o que é que lhes prometeste?
- Nada, não prometo nada, não me chateiem, falam de tretas e vem a “bóbia” e vamos presos.
- Achas que vais preso?
- Se vou preso? Todos os meus amigos estão presos, até aos dezasseis anos um gajo anda na boa, depois toma, caem em cima e toca a andar. Qualquer dia vou.
- Podes não ir, isso só depende de ti.
- Não me importo, não me importo mesmo...
- Eu importo-me que tu vás preso e há outras pessoas que também se importam, tenho a certeza.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Somos todos responsáveis

Pergunto ao jovem que me ajudou a arrumar o carro e com quem converso, enquanto procuro uma moeda: - Por que não me olha? Fala sem me olhar.
- Nunca olho ninguém, senhora. Ninguém me olha e eu também não olho ninguém. É assim, e não me importo nada. Estamos quites.
Lembro-me de Lévinas (filósofo, 1906-95) e contraponho: - Eu gosto de olhar as pessoas, penso que os rostos falam. Não acha que tenho razão?
Fico sem resposta, porque, entretanto, chegou outro carro para arrumar. E chegará outro e outro, e quantos mais melhor, até à quantia exacta de mais uma dose, num ciclo infernal (julgo eu) em que aquela vida se transformou.
Aqui, como em muitos outros casos, chegámos ao limite, à fronteira, da não relação. O “o olhar no rosto”, a proximidade com aquele que me olha e a quem eu olho, há muito que deixou de existir. O passo, até à quase desumanidade, está a uma curta distância.

Eu sei que tens razão (desculpa, começar-te a tratar por tu, é uma forma de te sentir próximo), muitos não te olham, não querem mesmo olhar-te. Desejariam que não existisses ou que não te cruzasses no caminho. Se calhar, a maioria, até. Eu mesma, para quê ser hipócrita, desejaria que não estivesses aqui, mas estás e isso não me é indiferente. Por quê, então, negares o olhar a quem deseja fixá-lo, a quem quer ver para além do que aparentas ser?
Dirás que não tenho nada a ver com isso. Às vezes também penso assim. Apetece-me ir na onda e acreditar que ninguém falhou, só tu falhaste, que não tenho nada a ver com o que te está a acontecer. É um problema teu, da tua família, mas meu não.
Outras vezes, reivindico direitos para ti, respostas sociais, que deviam existir (e funcionar) para que não tivesses chegado onde chegaste. Revolto-me. Para que pago eu impostos, para viver numa sociedade que não cuida de quem precisa, num país que deixa cair nas margens cada vez mais pessoas?
Vêm-me à cabeça as perguntas que tantas vezes faço: – Quantos direitos ficaram por cumprir? Quantos te foram negados? Quantos tu dispensaste, porque não quiseste assumir deveres? Que instituições falharam (e continuam a falhar)? Falhou a família, os amigos, as associações, a polícia, o patrão? Terá havido de tudo, quem te tenha aberto a porta vezes sem conta e também quem a tenha fechado muitas vezes.

sábado, 2 de abril de 2011

Público e privado

Li grande parte do livro de Ingrid Betancourt "Até o silêncio tem um fim", sobre os mais de seis anos na selva colombiana. Há partes e descrições impressionantes,  mas por vezes ficamos a pensar até que pronto é legítimo  ela falar, com  o pormenor e a subjectividade (inevitável) com que o faz, dos companheiros de cativeiro, por exemplo, de Clara Rojas (também li o seu livro e não fiquei com a mesma sensação). Julgo que, por mais que seja importante ter relatos destes, há aspectos sobre os quais, envolvendo tão directamente outras pessoas, o silêncio devia continuar e não serem tornados públicos por terceiros,  Há uma linha que não se pode ultrapassar, percebo a polémica sobre o livro, na Colômbia.