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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mineiros chilenos, lá no fundo da terra

Tenho pensado tanto nestes homens, no que lhes está a acontecer, a eles, às suas famílias, aos chilenos, a todos nós, no fundo, mas sem possibilidade de escrever seja o que for. É tal a precaridade, a contingência, a possibilidade de estarem bem e de desmoronarem no minuto seguinte, que todos estamos em suspenso. Viver uma situação desta natureza, é tocar vários limites. Vem-me à memória Jaspers, existencialista, que teorizou sobre as situações limite. Um dia destes, relerei os seus textos, na tentativa de perceber alguma coisa mais...

sábado, 4 de setembro de 2010

Tristes acontecimentos

Ontem, final do julgamento Casa Pia, assistiu-se ao melhor e ao pior do humano, ao rosto e à máscara, à verdade e à mentira, ao riso e ao choro, à complacência e à raiva... E hoje o dia acordou de novo, leve para uns, pesado para outros e seguramente difícil para todos.
E como seguirá a vida (e a consciência) daqueles que só não estiveram ali sentados por prescrição dos crimes ou outras manobras? Tento tantas vezes entender o direito, mas não atinjo. O desfasamento entre o legal e o moral, assusta-me.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sou israelita e palestiniana, estou sentada à mesa

Desde que visitei Israel, há mais de vinte anos, vi (e senti) o que é o viver quotidiano de ambas as comunidades. Impressionante e perigoso. Assisti a cenas que jamais esquecerei: a ostensiva presença militar, as contínuas identificações, os tiros numa das entradas da cidade velha, julgo que na porta de Damasco, a impossibilidade de cumprir todo o roteiro da viagem previsto (lembro-me que não fomos à gruta dos pastores, mesmo em Belém, uma notória tensão impediu uma visita normal).
Eu vivi isto, com maior intensidade, apenas num dos dias da viagem, mas há gerações sucessivas de israelitas e palestinianos que o vivem, há décadas, todos os dias da sua existência, com muitos direitos violados, muitas humilhações, etc., etc. Assim é impossível continuar, todos o sabem.
Percebe-se, por isso, a importância do retomar das negociações para a paz. A imagem de ontem, o 1º ministro israelita, o presidente da autoridade palestiniana e a secretária norte-americana, mostra que a paz é possível. Não sei por que tenho tanta esperança, se a história mostra o contrário? Mas tenho.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Tumultos em Maputo

Percebem-se as revoltas, os descontentamentos, as manifestações..., como não vamos perceber quando, como alguém disse, nenhum móvel do mundo é mais precioso do que uma tigela de arroz. A mais pura das verdades. A interdependência dos direitos é absoluta, necessária, como se vai falar de liberdade, de cidadania, a pessoas de estômago vazio, vivendo em condições miseráveis nos subúrbios da cidade, sobrevivendo com 50 dólares ou menos, mesmo trabalhando oito ou mais horas. Ninguém percebe os desequilíbrios económicos e sociais em que vivem os países em desenvolvimento, rezo todos os dias para que apareça um guru, um prémio Nobel, que diga: é preciso fazer isto e isto e não isto e o outro que têm feito até aqui. Penso tantas vezes: não será possível, em 2010, viver de outro modo, criar condições de vida digna a metade do mundo?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ainda, sobre a pena de morte

(Talvez isto corresponda a uma cena de um filme a que assisti e de que não recordo o nome, não importa para o caso).

O velho, muito velho, mais de cem anos, pensa que a sua vida se estende para lá do razoável, e daquilo que ele deseja há muito, porque tem um destino: viver para ver morrer todos os que amou. Assim foi, viu partir a primeira mulher, os irmãos, os filhos, a 2ª mulher, toda a família, os amigos…, agora, sem ninguém, assiste à sua inexorável decadência, à sua própria morte, de algum modo.
Atormentado, há mais de sessenta anos, por uma dor na consciência que o tortura, massacra e desafia, sempre, mas mais ainda pela calada da noite, quando a insónia aperta sem piedade. Má sorte ter sido um executor oficial. Má sorte ter ordenado execuções. Má sorte continuar vivo.
Martirizavam-no, até ao limite do suportável, as imagens e as últimas palavras dos condenados. Consumia-se, sabendo que podia não ter dado a ordem, mas também ele cumpria uma ordem, a decisão de um júri, que também ele cumpria uma ordem, a de condenar à morte os que, segundo as leis do estado, o mereciam. Uma cadeia que não podia deixar de ter responsáveis. Todos eram. Mas ele só podia responder por si, e abandonou o cargo.
Recorda com nitidez e vezes sem conta a última condenação à morte que ordenou, o homem que foi executado, mas também o choro do jovem guarda que assistia, porventura pela primeira vez, a uma execução. Um choro mudo que os homens não choram e menos os candidatos a executores de penas de morte.
Todos, ali, independentemente do que cada um fazia, eram funcionários da morte. Maldição (mesmo se foi escolha) ser um executor profissional! Maldição sair depois para a rua e olhar os outros como se nada se passasse, como se nada tivesse acontecido! Maldição haver leis e estados que condenam os seus criminosos à pena capital, sem margem para qualquer redenção, sem possibilidade de se arrependerem, sem margem para voltarem a ser pessoas decentes, na medida em que isso possa voltar a ser possível. Todos os seres humanos, por maiores criminosos que sejam, e alguns são, se podem redimir, ou não? O condenado à cadeira eléctrica é um ser humano, ou já não é? Talvez possam redimir-se, de resto, acontecem surpresas naqueles corredores da morte…
Voltemos à cena. Quem assiste a tudo, vê a cadeira, a electricidade a invadir o corpo, a contorção dos músculos, o momento final..., não pode deixar de pensar que se trata de uma refinação do mal, mesmo que o manto da legalidade cubra todos os actos. Naquela sala, todos morreram um pouco, algo ficou para sempre a marcar-lhes os dias, mesmo para os que continuarem,mecanicamente, a ligar os fios, a apertar os botões, a observar o último estertor, a desligar tudo, a recolher o corpo, a cobri-lo com um lençol, a entregá-lo à família ou a algum serviço público. Tudo segue, mas não sem marcas, não sem devastações pessoais, morais, psicológicas, etc.

Pena de morte

Olho a fotografia da mulher iraniana, de 43 anos, condenada à morte por apedrejamento, acusada de adultério e de envolvimento na morte do marido. Parece-me mais nova, a sua expressão tem uma limpidez e uma direcção que denunciam tempos e dias melhores, apesar do lenço, do peso da cultura, das regras e mais regras, das limitações e mais limitações, de um islão, em muitos pontos, difícil de entender. Não parece em desassossego, mas de que tamanho seria ele? Não sabemos, sabemos pouco da sua vida, das circunstâncias, dos sentimentos, dos desenlaces…?
Mas sabemos que a pena de morte não faz qualquer sentido, seja qual for o meio de execução. É a pena de morte que se deve discutir, claro que também a lapidação, mas o que está fundamentalmente em causa é a vida de seres humanos que têm direito a julgamentos justos, mesmo acusados de crimes graves. Devia ser assim com esta mulher. Parece-me que, por influência dos dois filhos, já adultos, a comunidade internacional se tem mobilizado contra a sua condenação. É demasiada a barbárie para que assim não fosse!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sempre em viagem, destino ou má sorte

Desmantelaram os acampamentos. Ofereceram-lhes um bilhete de avião e umas centenas de euros para voltar a Bucareste e a Budapeste. São ciganos romenos e húngaros expulsos da Europa rica onde as leis não são capazes de perceber a complexidade da situação.
Pobres, e com um elevado número de filhos, só muito dificilmente encontrarão possibilidades de sobrevivência nos países de origem. Deles voltarão a sair, com toda a certeza, num ciclo de idas e vindas que, para lá de não ser uma solução, tem matizes de racismo e de segregação. Esperamos que a história não se repita, mas é um mau sinal...